domingo, 10 de janeiro de 2010



KINDLE, BOOKCROSSING E GESTOS EM VIAS DE EXTINÇÃO

Sou devoto praticante de Bookcrossing - um tipo de despojamento bibliófilo que o Borges não aprovaria - , que consiste em "deixar um livro num local público para que outros o encontrem, leiam e voltem a libertar, e assim sucessivamente".
Ainda esta semana deixei, inteirinha, a trilogia Sexus – Nexus - Plexus do Henry Miller na Igreja de Santa Cruz e "O Amor é Fodido" do Miguel Esteves Cardoso na sala do Curso de Preparação para o Matrimónio do Centro Académico de Democracia Cristã . Ontem, no bebedouro aqui do terrunho, encontrei uma edição inglesa intitulada “The Gay Science” que, pelo que percebi, é a obra de um misógino doido e alemão chamado Friedrich Nietzsche. Pareceu-me um augúrio, mas como não leio jornais, não sei se bom, não sei se mau.
Ora, o e-Bookcrossing está um nadinha acima das minhas posses e, apesar da minha proverbial natureza dadivosa, parece-me um nadinha narcísico e excessivo deixar num espaço público a minha biblioteca, agora portátil.
Há ainda outra coisinha. Nos tempos idos em que me dedicava, com minguados proveitos, ao estudo e à leitura na Biblioteca Geral, pelava-me por observar o sortilégio e a sugestão erótica do gesto grácil das minhas colegas, que levavam o dedo médio à comissura dos lábios ( os homens, óbvios, usam o indicador), humedeciam-no com a turgidez tépida da ponta da língua e, cariciosas, viravam a folha com desvelo digital.
O meu mundo está a acabar. O que vai ser de mim?!

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