quarta-feira, 14 de abril de 2010

Nacional Citacionismo (A propriedade ainda será um roubo?, seguida de oração pelas privatizações)

Marx afirmou que a propriedade privada nos tornou tão estúpidos e limitados que um objecto só é nosso quando o possuímos; Proudhon, frasista compulsivo, proclamou que a propriedade é um roubo; mas para os catecúmenos liberais – mesmo para aquele que passinha os primeiros passos na passeadeira da alta política – a privatização de toda a propriedade é um arroubo retórico de redenção social.
O friso dos economistas coristas, apodíctico, assevera: é necessário retirar o Estado dos negócios. Os malandrins ronhosos!, para quem a Política foi, não raras vezes, a continuação dos negócios por outros meios e sempre, em rapina, sobrepairaram sobre o público e o privado.
Para eles, uma oração exprobatória.


Oração pelas Privatizações

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»

José Saramago – Cadernos de Lanzarote - Diário III – pag. 148

terça-feira, 6 de abril de 2010

Teoria Geral das Lágrimas

«Na idade em que, por inexperiência, tomamos gosto pela filosofia, decidi fazer uma tese, como toda a gente. Que tema escolher? Queria um que fosse ao mesmo tempo repisado e insólito. Assim que julguei tê-lo encontrado, apressei-me a comunicá-lo ao meu mestre:
- O que acha de uma Teoria Geral das Lágrimas? Sinto-me talhado para trabalhar nisso.
- É uma hipótese - disse-me ele -, mas ser-lhe-á muito difícil encontrar bibliografia.
- Que não seja por isso. Toda a história me apoiará com a sua autoridade - respondi-lhe eu com um tom de impertinência e de triunfo.
Mas como ele, impaciente, me lançava um olhar de desprezo,resolvi de imediato matar em mim o discípulo.

Cioran - Silogismos da Amargura