quinta-feira, 21 de maio de 2015

E é por isto que, sem emparceirar com o Borges que dizia ser o futebol uno de los mayores crímenes de Inglaterra, não posso deixar de pensar, afora o gosto genuíno da bola, serem muitos e vários os empenhos, manias e tinetas, que levam o povo do futebol aos estádios...

Lembro-me dele sacristão, meão, nariz purpúreo e varicoso, caraça larga. De manhã, acolitava à missa muito pio e tolhido de amor enteu, hinário na ponta da língua, minudente no lustro das alfaias sagradas e arrumo da sacristia. De tarde, secular, acudia pelo União Clube E., trocava o turíbulo pelo guarda-chuva com cabo de nogueira velha, postava-se cinematicamente atrás da linha lateral, sempre no enfiamento da jogada, e, brandindo o “mata-cães” que rasava o casco do fiscal de linha, vociferava: Ah cão, que te desanco!
Mais tarde, rapazote, ia aos jogos do campeonato distrital de futebol da Associação de Coimbra - entidade promotora de um desporto jogado com os pés, mãos e cabeças perdidas, por duas equipas de onze jogadores, três árbitros e duas hordas -, desandava à aguada no intervalo e quedava-me por aí até ao fim, sem cuidar de jogo e resultado, a emborcar minis à compita.
E é por isto que, sem emparceirar com o Borges que dizia ser o futebol uno de los mayores crímenes de Inglaterra, não posso deixar de pensar, afora o gosto genuíno da bola, serem muitos e vários os empenhos, manias e tinetas, que levam o povo do futebol aos estádios: há os adeptos da fraternidade máscula e do chega pra lá; há os recordistas das minis, jantaristas e outros atletas da terceira parte; há os pobres de Deus a quitarem-se à dobadoira verbal domingueira das patroas; há, vá lá, aqueles que vêem no jogo a quinta- essência da virtude táctico-estratégica do engenho humano.
Recordo estas estorietas porque, domingo passado, represo no sopor televisivo-repetitivo da garrafada para aqui, bastonada para acoli, vejo de repente em picado um guarda – chuva a altear-se, um grande plano, lobrigo o sacrista Adrião e, lendo a juntura dos lábios, ouço-o vociferar: Ah cão, que te desanco! Que acode, ainda acode; só não sei é se acolita.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

compreendi que a filosofia não nasce do espanto, mas sim do daimon maligno da mulher rixosa, e que todos os homens casados são espontaneamente filósofos ou, em alternativa, divorciam-se e vão estudar filosofia para Paris...

Depois de ler, em Platão, o que aqueloutro Sócrates alvitrou sobre o casamento - "Em todo o caso, casai-vos. Se vos couber em sorte uma boa esposa, sereis felizes; se vos calhar uma má, tornar-vos-eis filósofos, o que é excelente para os homens” –, compreendi que a filosofia não nasce do espanto, mas sim do daimon maligno da mulher rixosa, e que todos os homens casados são espontaneamente filósofos ou, em alternativa, divorciam-se e vão estudar filosofia para Paris.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Porque é que todos os humoristas da rádio e da televisão são de esquerda?, pergunta o Rui Ramos aqui. Um espírito como Leo Strauss diria que as doutrinas da tradição não foram rebatidas, foram expulsas pelo riso, e, por isso, o riso seria da revolução e concitaria o rancor da direita...

Porque é que todos os humoristas da rádio e da televisão são de esquerda?, pergunta o Rui Ramos aqui.

Um espírito como Leo Strauss diria que as doutrinas da tradição não foram rebatidas, foram expulsas pelo riso, e, por isso, o riso seria da revolução e concitaria o rancor da direita: Deus, por exemplo, é hoje um caso consabido de absent(e)ismo, foi corrido da história, do espaço-tempo, da eternidade (duração indefinida com demasiados tempos mortos e na qual não se pode morrer de tédio),  e tem uma mera existência particulada e indiciária ( o bosão de Higgs, a Goddamn Particle!). Bergson daria o beneplácito e dirá também que o riso é de esquerda quando enumera as fulgurações e causas do cómico e realça a rigidez da forma, física ou espiritual, individual ou colectiva, que conduz à exaustão, primeiro, e à assuada social, depois. Ora, nada há de mais rígido do que o Poder, que, por via desta rigidez, é sempre de direita. O Poder é sempre, ao contrário do humor, maniqueu, integrista, e um manancial inextinguível para os chalaceiros (Joseph Conrad escreveu ser o governo em geral, qualquer governo em qualquer lado, uma coisa de comicidade excelente para uma mente inteligente). Era esta rigidez maniqueísta do poder soviético, imediatamente percebido como de direita, que motivava o anedotário do gentio na URSS, empenhado em votar à derrisão tal maniqueísmo. «- Bem vistas as coisas, que é o capitalismo? – É a exploração do homem pelo homem. - E o comunismo? – Exactamente o contrário.»

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Quem é o amigo? Quem é amigo, quem é?!/Cícero para Passos e Dias Loureiro

De Aristóteles a Blanchot e Agamben, de Cícero a Derrida e Dworkin, passando por Montaigne, a aporia ética teima e recalcitra: o que é o amigo? Quem é o amigo?
Pelo rabo do olho, no fundo da sala, Pedro Passos Coelho lobriga Dias Loureiro e, todo encómios, sebo e unto, lustra-lhe o deslustrado carácter, perguntando num ceceio: quem é amigo, quem é?! E eis a indagação a que convirá a resposta ciceroniana do De Amicitia: um amigo é como um outro eu.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Prof/Isto de obrar impossíveis de quotio é coisa para santarrão de aldeia ou pastor da IURD: ensinar o inensinável a quem não quer aprender...

Isto de obrar impossíveis de quotio é coisa para santarrão de aldeia ou pastor da IURD: ensinar o inensinável a quem não quer aprender é o ofício nosso de cada dia. Com tal feito m`espanto às vezes, outras m`avergonho, mas rareia o dia em que, olhando estoicamente para eles e para mim, não rememore a sageza de Epicteto: todos os lugares são prisões se não desejamos lá estar.