segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Dicionário Do Mofino 22

Futuro, s.m. o tempo em que deixaremos de ser um eminente cadáver adiado para passarmos a ser um iminente cadáver inadiável; o amanhã fasto em que faremos as coisas de ontem que nos propusemos fazer hoje; o Padre António Vieira teria sentido saudades do futuro, o que, dado o presente, demonstra que nem sempre um profeta longividente vê bem ao longe; para o Nietzscheano professo que crê no Eterno Retorno, o bocejo matinal, para o Marxista proverbial para quem a história acontece como tragédia e se repete como farsa, silêncio, vamos rir!; a expressão futuro promissor é comummente usada para designar o futuro daqueles que logram herdar, deputar, ou atingir a idade da reforma antes de morrer.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Davos: Self Help Party


Embora este ano haja poucas referências a Portugal na lista oficial de participantes do Fórum Económico Mundial, várias personalidades da vida política e económica nacional já passaram pela famosa estância de esqui nos últimos anos. É o caso de ex-ministros como Durão Barroso, António Guterres, Mira Amaral e Pina Moura ou empresários como Henrique Granadeiro, Belmiro de Azevedo ou Jorge Armindo. Em Davos, aproveitaram para actualizar conhecimentos, arejar a mente, confrontar estratégias e trocar cartões de visita.

Público online 26/01/2011


Num editorial publicado esta semana no Financial Times, a jornalista Gillian Tett escreveu, mofina, que o Forum Económico de Davos está paulatinamente a transfigurar-se naquilo que, afinal, sempre foi: um clube restrito de self help.
Engana-se quem pensa que a globalização é um processo autotélico gerado por um capitalismo desregulamentado de comércio e mercados livres. Como escreveu Antonio Negri no livro Multidão – Guerra e Democracia na Era do Império, basta uma breve visita às neves de Davos para pormos de parte “esta ideia de desregulação do capitalismo, pois podemos aí ver claramente a necessidade que os dirigentes das maiores companhias têm de negociar e cooperar com os líderes políticos dos estados-nação dominantes e com os burocratas das instituições económicas supranacionais.”
Diz-nos também Negri que a grande lição de Davos é uma lição antiga: não há mercado económico sem ordem e regulação políticas, e aqueles que "advogam a libertação dos mercados ou do comércio do controlo do estado não reclamam, na realidade, menos controlo político, mas simplesmente uma espécie diferente de controlo político". É também curioso observar como as elites empresariais, burocráticas e políticas que se reunem em Davos para haurir o ar fresco da montanha não necessitam de apresentações recíprocas, pois “os investigadores das estruturas institucionais das empresas e dos serviços do Estado observaram como umas e outras se desenvolveram paralelamente ao longo de todo o século XX, ao mesmo tempo que as empresas se inseriam cada vez mais solidamente nas instituições públicas". Não é pois de admirar, continua Negri, que “os mesmos poucos indivíduos transitem tantas vezes e com tão pouco esforço dos gabinetes governamentais mais importantes para as salas dos conselhos de administração das empresas ou vice-versa, no decurso da sua carreira”.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Auschwitz, 27 de Janeiro de 1945


No trabalho não concluído intitulado Projecto de Pesquisa sobre os Campos de Concentração , Hannah Arendt escreveu: “o campo de concentração tem objectivo último a dominação total do homem. Os campos de concentração são laboratórios para a experimentação do domínio total, porque, a natureza humana sendo o que é, este fim não poder atingido senão nas condições extremas de um inferno construído pelo homem.” Agamben, mais tarde, enxertando uma figura do direito romano arcaico, o homo sacer – o cidadão romano banido do corpo político, desapossado dos seis direitos e exposto à iminência da morte - referiu que o campo de concentração (tal como o grand enfermement, em menor grau, no espaço das prisões e hospitais para Foucault) opera a transformação do campo político em espaço da vida nua, isto é, um espaço no qual a vida qualificada (o bios aristotélico) é sujeita no mais alto grau à dominação e cálculo do Biopoder.
Há 64 anos Auschwitz abriu os portões e hoje, pela primeira vez, um sobrevivente de etnia cigana, Zoni Weisz, discursou durante a celebração oficial das vítimas do nazismo perante o olhar grave de Angela Merkel. Berlusconi e Sarkozy não estavam presentes, e por isso não puderam olhar gravemente nem relembrar aquilo que nunca relembrariam se estivessem presentes: a liberdade era aquilo mesmo - a luta da memória contra o esquecimento.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Dicionário Do Mofino 21

Voto, s.m. Oferenda de um sujeito ofertante B no seguimento de uma promessa que um sujeito promitente A jamais cumprirá; no Demetrio escreveu Schiller que, por ser tola a maioria, convém pesar os votos e não contá-los, o que seria boa ideia se soubéssemos quão grave é o bom senso.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Nacional Citacionismo

"A Retórica dos políticos é fácil. Quando perdem, agradecem aos que confiaram neles. Quando ganham, agradecem aos que confiaram neles. Nenhum agradece aos que mereciam: os que desconfiaram deles."

Alberto Pimenta, Deusas Ex Machina

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Dicionário Do Mofino 20

Eleitor, s.m. Numa democracia representativa, o que paga as despesas de representação para o representante se fazer representar a si próprio.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Musicofilias: Beirut - Sunday Smile



Zach Condon e os Beirut em informal ventura mixológica: Folk Balcânico, Pop, Chanson Française. Zach Condon também estudou Português na universidade do Novo México e fez o iniciático périplo europeu, o que, na verdade, ouçam bem, também se parece entreouvir em muitos acordes de Sunday Smile - acordes de uma marcha, tocada pela Phylarmonica Ançanense numa qualquer procissão em honra do Divino Espírito Santo.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Dicionário Do Mofino 19

Trabalho, s.m. Actividade humana que, à medida que nos extenuando, vai atenuando o temor humano do Eterno Descanso; Nietzsche considerava que a sua época, a mais laboriosa até então, nada mais sabia fazer do seu trabalho e do seu dinheiro senão mais trabalho e mais dinheiro, coisas nem sempre equanimemente quinhoadas e causa de grande desacerto entre os homens; segundo a opinião avisada de Adam Smith, o Pater Familias do liberalismo económico, o trabalho implica a renúncia à tranquilidade, liberdade e felicidade, o que explica a divisão clássica entre Trabalho e Capital e a preferência universal pelo segundo.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Internacional Citacionismo: Leituras da Crise - O Trabalho Ostentatório



"(...) Uma das perversidades do desemprego é talvez ter emprestado ao trabalho, mesmo ao mais estupidificante, uma aura que já tinha perdido durante os anos de prosperidade. Obcecadas pelo pleno emprego, as nossas sociedades pretendem ocupar as pessoas a todo o custo e celebram a escravatura salarial sem se interrogarem sobre a qualidade dessa ocupação. Ao ponto de a sobrecarga de trabalho se ter tornado um sinal ostentatório de potência; e ainda que as classes laboriosas aspirem à ociosidade, as classes ditas ociosas tornam-se laboriosas, fixando-se para si próprias semanas de 60 a 80 horas e exibindo o excesso de trabalho como índice da sua superioridade."

Pascal Bruckner

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Enciclopedismo XXI


Desde os 620 livros de Varrão às Etimologias de Isidoro de Sevilha, passando pela Historia Naturalis de Plínio e até à iluminista Encyclopédie e às actuais Britannica, Universalis e Enaudi, a pulsão Enciclopedista cunhou, indelevelmente, a forma mentis da Cultura Ocidental. Graças a Isidoro de Sevilha, que deveio Santo e orago padroeiro da Internet, a Wikipédia fará amanhã uma década e o enciclopedismo parece reviver numa espécie de cérebro fora-de-bordo-mundial e configurar a noosfera autopoiética de um saber transiente e universal.
Mas o que nos trouxe a Wikipédia? Demasiadas coisas, algumas das quais ainda não claramente inteligíveis. Duas pequenas notas:
- em primeiro lugar, a techné do hipertexto aplicada à Wikipédia permitiu a extensão quase ilimitada dos recursos diagramáticos e remissivos da linguagem ( exponenciação ilimitada das possibilidades da Galáxia Gutenberg), criando uma textualidade autopoiética reticular (que inclui fotografias, tabelas, vídeo, mapas, etc.) dotada de uma generatividade e legibilidade ilimitadas e impensáveis noutras enciclopédias;
- em segundo lugar, a Wikipédia permite anular as constrições espácio-temporais em relação ao acesso às fontes do conhecimento, tornando-as virtualmente presentes e integral e instantaneamente acessíveis.
Não devemos, é claro, apoucar os problemas da sua credibilidade, legimidade, erro, engano, autoria, tal como o efeito delusório que advém do pretenso acesso ao saber ilimitado. Mas, bem vistas as coisas, devemos ser optimistas. Não é a Wikipédia, como já alguém escreveu, o lugar de cruzamento entre a ars mnemonica e a ars inveniendi?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Filosofia e Filosofar - Que Interessa Isso Hoje? - Estética e Filosofia


Organização: Almedina; Ideias Concertadas; APF - Associação de Professores de Filosofia; Viafilosofia

Local: Livraria Almedina Estádio - Coimbra

Estética e Poder
13 de Janeiro, 5a feira, 18h00
Alexandre Sá, FLUC

Arte no Corpo
10 de Março, 5a feira, 18h00
João André, FLUC

Estética e Fantasia
21 de Abril, 5a feira, 18h00
Abílio Hernandez, FLUC

Estética e Ciência
19 de Maio, 5a feira, 18h00
Luís Quintais, antropólogo, FCTUC

O Original e a Cópia
9 de Junho, 5a feira, 18h00
José Maçãs de Carvalho, fotógrafo,
Dept.o Arquitectura, FCTUC

O Eterno e o Efémero
30 de Junho, 5a feira, 18h00
António Pedro Pita, FLUC, Delegado
Regional da Cultura do Centro

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Dicionário Do Mofino 18

Carácter, s.m. Disposição volitiva com enorme valor adaptativo e fiduciário; tal como o bom senso do Cartesius, a coisa do mundo mais bem distribuída, e de tal forma que todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais carácter do que aquele que têm; a parte mais dúctil da personalidade capaz de suportar infinitos graus de deformação sem ruptura; ao invés do bom senso do Cartesius, a coisa do mundo mais mal distribuída, e de tal forma que, crendo nós tê-lo em tal medida, recusamos vê-lo em todos os outros; Teofrasto escreveu Os Caracteres e revelou tão subido conhecimento da natureza humana que não caracterizou nenhum virtuoso; em Política, o que se pretende ocultar quando o adversário o quer mostrar ou o que se pretende mostrar quando o adversário o quer ocultar; o que se não comercia, embora um Camiliano Juiz de Fora se tenha deixado peitar por dois peitos de perdiz.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Musicofilias: Kings of Convenience sing "24-25" live



Em 2009 os Noruegueses Erlend Øye e Eirik Glambek Bøe - "Kings of Convenience" - editaram um dos melhores discos do ano - "Declaration of Dependence". Mas o génio polímato de Erlend Øye não se ficou por aqui, e, também em 2009, o norueguês colocou o seu outro projecto, The Whitest Boy Alive, no fastígio da criatividade pop com o álbum Rules.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Internacional Citacionismo: Leituras da Crise - "Será possível «meridionalizar» os povos graves?"


"Será possível «meridionalizar» os povos graves? O futuro da Europa está dependente dessa questão. Se os alemães se põem de novo a trabalhar como antes, o Ocidente está perdido; o mesmo acontece se os russos não retomarem o velho amor à preguiça. Era necessário desenvolver nuns e noutros o gosto pelo ócio, pela apatia e pela sesta, fazer cintilar diante deles as delícias da frouxidão e da versatilidade.
...A não ser que nos resignemos às soluções que a Prússia, ou a Sibéria, infligiriam ao nosso diletantismo."

E.M. Cioran

sábado, 8 de janeiro de 2011

Lieber ein Ende mit Schrecken als ein Schrecken ohne Ende? Ora Digam Lá!


"A notícia é dada na edição de hoje da revista alemã Der Spiegel e dá conta da preocupação das duas maiores potências da zona euro com a subida das taxas de juro da dívida pública portuguesa durante as últimas semanas. Diz a publicação que, perante o actual cenário, Alemanha e França querem que Portugal recorra já a ajuda externa, uma vez que antecipam que o país fique dentro de muito pouco tempo incapaz de obter financiamento nos mercados a taxas de juro sustentáveis."

Público Online 07-01-2011


"Lieber ein Ende mit Schrecken als ein Schrecken ohne Ende?"

Der Spiegel Online 07-01-2011

Ora digam lá?! É melhor um sacrifício final ou um sacrifício sem fim? Não é melhor um horror final do que um horror sem fim? Preferem um susto final ou um susto sem fim? Ou será: Preferem o susto, por fim, ou um susto sem fim? Não será: Preferem afinal um horror ou um susto afinal?
Oram digam lá?!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Dicionário Do Mofino 17

Ética, s.f. Do grego ethos, é a disciplina filosófica que indaga sobre os princípios de uma «vida boa», segundo Aristóteles, sobre os princípios de uma «boa vida», segundo a Humanidade em geral.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sloterdijk e os Candidati


A propósito da crise da credibilidade política, e num capítulo epigrafado com uma citação de Juvenal - Difficile est satyram non scribere (É difícil não escrever uma sátira) -, o filósofo alemão Peter Sloterdijk rememora no livro Mobilização Infinita uma singular tradição política Romana. Sempre que um cidadão se apresentava como candidato a um cargo público, desfilava pela cidade usando uma toga imaculadamente branca, asseverando assim aos seus concidadãos a condição de «candidus», cândido, isto é, candidatum. O que queriam eles dar a saber? Segundo Sloterdijk, os Candidati desejavam dar a “saber que estavam dispostos a perder a sua inocência; eram «as noivas» do princípio da realidade, cujo potencial de desfloração é lendário desde o tempo dos Romanos”.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Dicionário Do Mofino 16

Filosofia, s.f. A mais longa distância entre uma pergunta e outra pergunta; não fora a meditabunda cefaleia, e segundo a costumeira citação, o saber com o qual ou sem o qual se fica tal e qual; platonicamente, a obstetrícia da alma (Psychē); prosaicamente, a parteira de vacuidades; o filósofo é aquele que tropeça na dúvida e cai no sistema, o que se despe dos preconceitos e enrubesce; a crer em Cioran, todos os pensadores no início da sua carreira optam a contra-gosto pela dialéctica ou pelos salgueiros-chorões, embora os haja do género processional e que transportam as ideias como andores; indagação radical que começa peripateticamente no espanto (thaumatzein) e acaba (peri)pateticamente em alhures ou em nenhures.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Internacional Citacionismo - A Gastrofilia de Cioran

Uma moda filosófica impõe-se como uma moda gastronómica: não há qualquer diferença entre contestar uma ideia ou um molho.

E.M.Cioran