terça-feira, 26 de junho de 2012

Iberismo


Escreveu-o Bellow no Jerusalém: fracasso e culpa nacionais são uma forma de comunhão. Mas  a comungarmos na expiação unitiva da dívida-culpa,  não será possível, amanhã, comungarmos o fracasso espectacular  dos futebóis. Que se cuidem portugueses e espanhóis. Depois do resgate espanhol e da ameaça de mais austeridade em Portugal, uma superfície frontal depressiva ameaça a Ibéria. Com resultado imprevisível.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Dicionário do Mofino 53


Exame, s.m. Exumação dos restos mortais do defunto ano lectivo, e o seu translado para uma folha branca, marginada e rubricada, sob o olhar atento de dois defunteiros designados vigilantes;  a via crucis do estudante, que o leva da ignorância à sabedoria franciscana de Fernando de Bulhões: não é sábio quem sabe mais do que é preciso; o de consciência, em que examinando e examinador coincidem, foi considerado perversamente freudulento, já fez o mea culpa e foi ao divã.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Manual do Aplicador



Quando, há alguns anos atrás, o Ministério da Educação publicou essa magnus opum sobre o comportamento decente do docente /vigilante às provas de aferição do 9ºano, o Manual do Aplicador, desde logo se soube que o pouco siso daria lugar ao riso e ao absurdo. Quando, há alguns anos atrás, o furor regulamentador do ministério da educação definiu, até ao ridículo e à ninhice, todo o processo de aplicação dos exames, tratando os professores como imbecis, a derrisão já espreitava, escarninha, mofenta. Esta gente não percebe que quando se quer ser obsessivamente minucioso a minúcia nunca basta, e desatou a regulamentar o bom senso como se ele fosse a coisa mais mal distribuída nos professores. E, nas reuniões preparatórias, perguntou-se: a que velocidade deve andar na sala o professor vigilante para não perturbar a quietação do momento? As escolas darão graciosamente umas pantufinhas furta-passos? A garridice do vestuário é permitida? Não ofuscará a inteligência do examinando? Os rótulos das garrafas de água devem ser retirados? Não podem conter informação à sorrelfa?
O ministério diz que há centenas de queixas: alunos que encasquetam o tictac dos professorais relógios e desatinam; alunos perturbados pela garridice taful e tamanho de saias, blusas e demais formosuras das professoras; alunos nevrosados pela chiante meia-sola; alunos a quem petrifica o miolo pelo simples olhar do professor vigilante. Há queixas que não lembram ao diabo, mas a minudente lógica ministerial a todas provê,  prevê, regulamenta e, finalmente, a todos arregimenta para o seu zeloso cumprimento.
Agora que os exames se preparam para ser a grande via crucis para a perfeição do sistema, as notícias não são boas. Preparem-se, amigos professores! Ouve-se e teme-se. Ouve-se que o ministério se prepara para reeditar, em edição revista e aumentada (dois volumes, 500 páginas), o Manual do Aplicador. Ouve-se que no índice remissivo só a palavra fraude terá 232 a entradas. Temem-se longas sessões de laboriosa exegese, milhentas horas de formação creditada, quiçá teses de mestrado e doutoramento. Teme-se que o Manual seja uma espécie de Código de Hamurabi, a Cabala. Teme-se, enfim, que não responda à presuntiva questão: e se, de repente, um examinando lhe oferecer flores?