quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Diário dos Perplexos/Isto de comer os Papas na cabeça do Daniel Oliveira não se faz…

Há para aí alguns farisaísmos que fogem das analogias como o diabo da cruz, e que, depois de treslido este texto do Daniel Oliveira, pespegam-lhe com o exprobatório Arrenego-te! Arrenego-te! Arrenego-te! Um, aqui, puxa logo do revólver quando ouve falar de injustiça do sistema social e económico (como, aliás o Papa fala); aqueloutro, ali, dos professos da caritas, prefere a caridade à justiça e, em remate lapidar, irá lembrar que serão os mansos a herdar a terra.
A boa nova do Evangelii Gaudium é a boa nova primigénita do ethos cristão: o exercício da caridade cristã envolve sempre uma perturbação, um pudor e sobressalto moral (os apelos à discrição na dádiva – quando derdes esmolas, que não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita – são disso exemplo), o que faz com que ela seja sempre um bem menor ao serviço de uma moral provisória, superada por uma outra que saciará os famintos e sedentos de justiça - o bem maior.
Um verdadeiro cristão pode dar por caridade o que é devido por justiça, mas nunca o fará sem pudor e esperança: o pudor de não haver justiça, a esperança de que ela possa ser feita. Na verdade, o cristão terá de pensar, com Chamfort, que é necessário ser justo antes de ser generoso, como é necessário ter camisa antes de pôr as rendas, e um cristão pragmático (que suspeite da economia da salvação) não deixará de o ser já. Boas novas, pois, aleluia! 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Diário dos Perplexos/ é com papas e bolos que se enganam os tolos, mas...

Sempre achei que é com papas e bolos que se enganam os tolos, mas estará aqui a justeza de um justo - não dar por caridade aquilo que é devido por justiça?

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Sex Files/ama e começa onde quiseres

Para os seres humanos o sexo tem três grandes funções - reprodutora, relacional e recreativa - e a nova desordem amorosa glosa o mote de Agostinho: ama e começa onde quiseres. Mas não esqueças que há o Alfa e o Omega, o primeiro e o derradeiro, e rememora as palavras sages do Abominável (César das Neves): não há almoços grátis.
 

domingo, 24 de novembro de 2013

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Prof./A escola é um agente de depressão maciço.

Relembrar um artigo do filósofo José Gil na Visão de Março de 2013. Pensar, também, sobre a aniquilação e devastação que assola a Escola e os professores. Alguns, os que trabalham e ainda conseguem ler e estudar, lê-lo-ão imersos nos terrores da performatividade - relatórios atrás de relatórios, actas atrás de actas, justificações atrás de justificações, avaliações atrás de avaliações, formações atrás de formações, exames atrás de exames – e espantar-se-ão, talvez, com a fereza da palavra massacre. Outros, os contratados, em paro, estão suspensos do arremedo de um exame que avalie o que já foi ou devia ter sido avaliado, numa espécie de encarniçamento probatório, e esperam o pior.
Ouçamo-lo:
O poder destrói o presente individual e colectivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho.
O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stresse, depressões, patologias borderline enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem. É o massacre dos professores.

Mas nós já sabíamos: a escola é um agente de depressão maciço.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Prof./como falar de sexo sem falar de sexo?

De novo. Plano de educação sexual para aplicar no presente ano lectivo. O problema useiro e vezeiro: como falar de sexo sem falar de sexo? A Razão Biológica ou a geleia da Retórica dos Afectos
O negro Eros é pedagogicamente intratável, mas alguém propõe (valha-me Deus! Abrenuncio!): a caixa das perguntas difíceis e anónimas.

No High Fidelity, Nick Hornby coloca Bob Flemming, personagem com uma vida tumultuada pelo ordálio do sexo e do desejo, a idear as seguintes perguntas para fazer ao pai: Pai, alguma vez tiveste de te preocupar com o orgasmo feminino tanto na sua forma clitoriana ou na sua (possivelmente mítica) forma vaginal? Sabes verdadeiramente o que é o orgasmo? E o ponto G? O que é que significava “ser bom na cama” em 1955, se é que significava alguma coisa? Quando é que o sexo oral foi importado para a Grã-Bretanha? Tens inveja da minha vida sexual, ou parece-te tudo uma carga de trabalhos? Alguma vez te preocupaste com o tempo que te aguentavas, ou não pensavas nesse tipo de coisas na altura? Não estás contente por nunca teres tido de comprar livros de comida vegetariana como primeiro passo para saltar para cima de alguém? Não estás contente por nunca teres precisado de ouvir “Tu podes ser óptimo, mas limpas a sanita?”

A crer em Platão, chegado aos oitenta Sófocles regozijou-se por se ter quitado da servidão raivosa e selvagem ao negro Eros. Depois tornou-se senhor de si e morreu.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Dicionário do Mofino 46

Futebol, s. m. Desporto jogado com os pés, mãos e cabeças perdidas, por duas equipas de onze jogadores, três árbitros e duas hordas. Invariavelmente, em paro, há uma bola a assistir; o filósofo Jean-Paul Sartre reflectiu sobre a singularidade desse objecto redondo em-si, que concita tantas paixões, alvitrou que num jogo de futebol tudo fica complicado na presença do adversário (o Outro, o Inferno), e acabou por concluir que numa complicação tudo fica mais complicado na presença da filosofia; o poeta recifense João Cabral de Melo Neto definiu assim a anima da bola de futebol.

A bola não é inimiga
como o touro, numa corrida;
e embora seja um utensílio
caseiro e que não se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reação própria como bicho,
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcia de mão.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Dicionário do Mofino 61/empreendedor

Empreendedor, s. m. Em bom português, alguém versátil, que possui a mestria de transformar o dinheiro alheio em dinheiro próprio, recebendo o aplauso geral; segundo o ministro da economia, Pires de Lima, empreender é o processo de criar algo diferente e com valor para a pessoa que vende, depois de nos ter convencido que transformou a água em vinho, quando, de facto, transformou o vinho em água-pé.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Grandes coligações & espírito reformista vistos à lupa Žižek

Mal prega Frei Tomás: Passos Coelho fez o apelo a uma "grande coligação" para o futuro, para que se consiga manter o "espírito reformista". O mote é formular e semanticamente exangue, mas é todo um programa de luta pela hegemonia ideológico - política, que, di-lo bem dito Slavoj Žižek, é sempre a luta pela apropriação dos termos 'espontaneamente' experimentados como 'apolíticos', como que transcendendo as clivagens políticas.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Diário dos perplexos/Ausência de ideias e a habilidade para o expressar

Recentemente, um repentista comentador televisivo  asseverava que a origem socioeconómica dos alunos era irrelevante na consideração dos seus desempenhos escolares, arrumando assim de uma penada decénios de investigação sociológica. Isto sem o mínimo reparo, objecção ou questionamento do entrevistador.
Do que falamos quando falamos de um comentador televisivo? De um prêt-à-penser munido de uma visão panóptica sobre o real social? De um especialista em generalidades que sobrepaira sobre os temas instantes em voo planante?
O que dizer do jornalismo televisivo? Do seu saber formular e lacunar? Da sua univocidade? Do seu descaso da complexidade? Da sua impreparação? O que se passa com os jornalistas? Karl Kraus responderia: ausência de ideias e a habilidade para o expressar.

domingo, 10 de novembro de 2013

Diário dos perplexos/ Karl Jaspers, Maduros e crenças alucinantes

Na mesma semana em que o Maduro de lá, a braços com uma grave crise socioeconómica que ameaça a revolução de lá, garante ter visto a cara de Hugo Chávez numa parede em Caracas, tendo decretado de supetão o Natal, o Maduro de cá, asinha, asinha, a braços com a mesma crise socioeconómica que ameaça a revolução de cá, decretou o fim iminente da crise com a frase o pior já passou - isto enquanto o miraculado ministro da economia cantava hossanas ao milagre económico em que Portugal vive. 
A convicção em geral, e a convicção política em particular, tem uma natureza alucinatória e delirante consabida, sobretudo nos revolucionários. O psiquiatra e filósofo Karl Jaspers foi o primeiro a definir os critérios nosológicos das crenças delirantes, manifestas agora nestas incorrigíveis dramatis personæ. Uma delas é exactamente a incorrigibilidade: apesar da bizarria, implausibilidade ou inverosimilhança das suas crenças, não há argumentário, evidência empírica ou racional, que lhes inocule um módico de espírito crítico dubitativo. Ou é isto ou estão a mangar connosco.

sábado, 9 de novembro de 2013

Diário dos perplexos/O Rankismo e os terrores da performance

Renova-se aqui um texto, tornado actual pelo furor rankista

A Mitologia subjectivou-se, e a heroicidade revela-se hoje num eu performativo inscrito nas diversas esferas da existência social. O culto do indivíduo sobreactivo, que forceja insanamente para maximizar todas as suas performances na profissão, na forma física, no sexo, no consumo, no envelhecimento (nas sociedades hipermodernas de horror à senescência, envelhecer é a performance por excelência) faz parte do sincretismo ideológico hodierno. Liptovesky já escreveu bastamente sobre a cultura da performance, da superação e da excelência - todos estimulados, todos determinados a ser competitivos, a correr riscos, a chegar ao topo –, e é na escola que melhor vinga esta cultura, que Stephen Ball, conhecido sociólogo da educação da universidade de Londres, designa como os terrores da performatividade : exames sobre exames, avaliações sobre avaliações, quadros de excelência sobre quadros de excelência, rankings sobre rankings, até que tudo não passe de mero pontilhismo numérico dentro de uma folha de excel.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Prof.

Relembro Bob Flemming, a personagem principal do romance High Fidelity, de Nick Hornby, que confessava ser o sexo a actividade mais absorvente que tinha descoberto na idade adulta. Depois da direcção de turma do 9º G, olho descoroçoado para a resma de 170 testes a deslado e… eureka!

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O século de Sartre? O escutismo de Camus?


A propósito do centenário de Albert Camus, no jornal i, Bruno Vieira Amaral replica a ideia de que Camus já sofreu várias tentativas de diminuição pública, mormente o apoucamento dos seus méritos filosóficos e literários e a crítica ao seu vezo moralizante. Fê-lo, inculpe, Susan Sontag ao afirmar que não há em Camus nem arte nem pensamento de altíssima qualidade, fá-lo-iam muitos outros ao longo do século passado, o Siécle de Sartre, de acordo com o livro que Bernard-Henri Lévy escreveu sobre o seu quase antípoda intelectual. Os ecos da disputa ainda reboam por aí com tal sonido que, não há muito tempo, no festejado Dictionnaire Égoïste De La Littérature Française, Charles Dantzing condoía-se por ser usual não haver mais moderados como Voltaire, e visava os ensaios morais de Camus por serem banais (O Mito de Sísifo, O Primeiro Homem), insuportavelmente pedagógicos, e lembrarem um certo escutismo intelectual. O homem vive, portanto.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Além do mais, Leibniz disse que o possível exige existir


Estou com o Laurence Sterne: Os ociosos que deixam o país natal vão para o estrangeiro por alguma razão ou razões que se podem derivar de uma destas causas gerais - enfermidade do corpo, imbecilidade do espírito ou necessidade inevitávelA geografia da ficção obsidia-me mais. Pouco dado a viagens, tenho duas cidades e uma ilha a visitar: Rivendell e as Terras do Meio, Argia e a Ilha dos Filósofos. Que estas geografias sejam meras possibilia, é um obstáculo de somenos importância. E para além do mais, como dizia Borges, não sabemos se o universo, este universo, pertence ao género realista ou ao género fantástico.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Crato, o Crasso

"O ministro da Educação defendeu segunda-feira em Ovar que, para ser dispensada mais austeridade no Orçamento do Estado para 2014 e ainda pagar a dívida total do Estado, todos os portugueses teriam que "trabalhar um ano sem comer".
 
Quando publicou o livro O Eduquês em Discurso Directo - Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista, Nuno Crato era uma personagem empática que pontificava em entrevistas e opiniosos programas de televisão, polemizando abonde sobre o universo da educação e do sistema educativo, verberando a ausência de exames e de avaliação externa das escolas, zurzindo no facilitismo generalizado - induzido, segundo Crato, pelos excessos ideológicos das pedagogias românticas e construtivistas reinantes. Ao tempo, acolitava ao tremendismo Fulfilled Prophecy de Medina Carreira, mas mantinha o perfil compósito de um técnico, embora com a vocação pronto-a-pensar de um doxólogo. Mas Crato mudou e transfigurou-se no ideólogo zelota do governo, quis implodir o ministério da educação, e é agora o responsável pela comissão liquidatária da escola pública e o autor material de alguns petardos retóricos que desdoiram a reputação rigorista de um ministro empático, catedrático, matemático. Ai desdoiram, desdoiram!

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Dicionário do Mofino 60

Consenso, s.m. segundo Cavácuo, o resultado de um incerto processo de decisão em que uma ou mais partes renunciam às suas convicções para chegar à certeza de uma indecisão.

domingo, 3 de novembro de 2013

Diário dos perplexos/A crise contada por Esopo


Parlamento Europeu investiga violações da troika

Como é sabido, as fábulas de Esopo acabavam invariavelmente com uma tirada moral, o Epimítio, introduzida sempre pela expressão a fábula ensina, a estória mostra (ho mythos deloí), cujo intento era definir  um módico de sageza moral, formular e empírica.
Na fábula narrada sobre a crise, contada com amenidade e graça, os caracteres são os meridionais, esse gentio prenhe de aleijões morais e cívicos, descrito graciosamente por Susan Sontag no Amante do Vulcão como gente que trabalha o menos possível, preferindo dançar, beber, querelar, matar as mulheres infiéis; gente indolente e dócil, ignorante, supersticiosa, desinibida, nunca pontual, visivelmente mais pobre (como não poderia deixar de ser, dizem os do norte), que, segundo Sontag, apesar de tudo, levam vidas invejáveis - ou antes, invejadas pelos setentrionais, sacrificados do trabalho, sensualmente inibidos e com governos menos corruptos.
Ho mythos deloí, a fábula ensinava, é claro, que, à semelhança da rã que se quis igualar ao boi e acabou por rebentar, a crise era o resultado das vidas invejáveis que levávamos e das quais teríamos inexoravelmente de abdicar. Foi o que fizemos e, asinha, asinha, voltámos ao charco. Mas a fábula pode estar mal contada e a moral da estória pode ser outra, quiçá imoral.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Valha-nos Santa Rita de Cássia!

Apresentado o orçamento, e embora sabendo, como Bierce, que um santo é um pecador morto, revisto e corrigido, concitamos hoje, dia de todos os santos, o amparo de uma santinha de quem sou devoto e de quem tenho uma colecção de pagelas – Santa Rita de Cássia, taumaturga dos impossíveis e advogada das causas perdidas.