sexta-feira, 25 de março de 2011

Sócrates e Protágoras: Do IVA e da Verdade

Não foi Sócrates mas Protágoras quem defendeu, em As Antilogias, que a respeito de todas as questões há dois discursos, coerentes em si mesmos mas que se contradizem um ao outro. Mas não foi Sócrates retratado por Aristófanes em As Nuvens como o primeiro dos Sofistas?

quinta-feira, 24 de março de 2011

José Gil: O Homem Avaliado


No século V A.C. Protágoras de Abdera anunciava epigramaticamente a sua doutrina do homo mensura e estribilho de todos os humanismos - o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são –, e, milénios transcorridos, já no dealbar do século XXI e numa afirmação que não pode deixar de ser lida como uma espécie de antilogia tão ao gosto do de Abdera, José Gil chama a atenção para o facto de se anunciar, como figura social do homem do século XXI, o homem avaliado e medido, o homem não já medida e medidor subjectivo à sua escala, mas objectivado e dessubjectivado por processos de classificação e medida inumanos, aplicados a todas as esferas da sua existência social.
Popper já tinha alertado para a impertinência da aplicação deste furor quantificador a âmbitos que, pela sua complexidade, se furtam a esta abordagem e, numa obra provocativa por todos conhecida - A Falsa Medida do Homem -, Stephen Jay Gould desmistificou essa paradigmática mistificação classificatória da mensuração Psicológica do século xx, denominada Quociente de Inteligência, logrando elucidar as suas motivações ideológicas e denunciar a sua pseudocientificidade.

Mas quem é esta figura social do homem do século XX – o homem avaliado? Quais as suas origens e determinações? Que propósitos servem nos dispositivos burocráticos do biopoder? Que convicções lhe subjazem? Que convicções geram? Quais as suas figurações sociais, aqui e agora?


Quem examine em pormenor toda esta extraordinária burocracia (...) a que estão submetidos os professores fica com a ideia de que uma espécie de delírio atravessa quotidianamente os conceptores e decisores do ME. É verdade que o Governo recuou depois das manifestações e greves dos professores. Mas não esqueçamos que toda aquela burocracia que caiu sobre os professores, sufocando-os, impedindo-os de ensinar, foi pensada para ser aplicada - o que revela mesmo um certo delírio na concepção das tecnologias de biopoder. O processo de domesticação dos professores está em curso - e longe de ter terminado. Mas o que se passou chega para ver que tipo de "modernização" da educação, através da avaliação, está nos espíritos dos governantes, mesmo se estes, pela resistência dos professores, que contaminou a opinião pública, foram levados a ceder em certos aspectos.
Porquê tudo isto? Porque o interesse do Governo é, antes de mais, cumprir a racionalidade orçamental, levando dezenas de milhares de professores a abandonar a escola. Através, afinal, de um sistema educativo em que avaliar significa desnortear, desanimar, dominar, humilhar, desprezar os professores, os alunos e a educação. É o máximo de mais valia de biopoder que o Governo quer extrair - com o risco, inevitável, de o sistema se voltar contra si mesmo.
(…)
No processo de domesticação da sociedade, a teimosia do primeiro-ministro e da sua ministra da Educação representam muito mais do que simples traços psicológicos. São técnicas terríveis de dominação, de castração e de esmagamento e de fabricação de subjectividades obedientes. Conviria chamar a este mecanismo tão eficaz "a desactivação da acção". É a não-inscrição elevada ao estatuto sofisticado de uma técnica política, à maneira de certos processos psicóticos.


José Gil

sexta-feira, 18 de março de 2011

A Filosofia na Cidade: Kuhn Para Figuras Públicas e Anónimas


Não houve mais venturoso conceito na Filosofia da Ciência do século XX do que o conceito de paradigma. Se houve tecnicismo filosófico transmudado com liberalidade num passe-partout discursivo/retórico, foi a nómada noção de paradigma: eis aqui uma glosa do Ministro das Finanças; ali um deputado que lhe rouba a propriedade em arroubo tribunício; acoli um dirigente desportivo bufão a tentear a semântica às arrecuas.. Do grego clássico às línguas bífidas do Ministro das Finanças e dirigentes desportivos, passando pela Retórica, Gramática e Thomas Kuhn ( no qual, segundo Masterman, aparecem 22 sentidos de Paradigma - o que explica a soltura do seu uso), eis que um dos mais erradios conceitos filosóficos desceu à Pólis e aí fez vida.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Leituras da Crise - Tempo de Reler Bourdieu



Bourdieu escreveu abonde sobre a economia da precarização e da flexiexploração e sobre os seus efeitos colaterais. Não somente sobre as consequências económicas strictu sensu, mas também sobre aquelas que decorrem da economia da lei da conservação da violência, isto é, a violência social sob a forma de suicídios, de delinquência, de crimes, de droga, de alcoolismo, de pequenas ou grandes violências quotidianas, e que são a contrapartida psicossocial do deperecimento do Estado e da violência estrutural exercida pelos mercados financeiros, sob a forma de despedimentos e de precarização.

Foi claramente exposto que hoje a precariedade está em toda a parte. No sector privado, mas também no sector público, que multiplicou as posições temporárias e “a recibo”, nas empresas industriais, mas também nas instituições de produção e de difusão cultural, educação, jornalismo, meios de comunicação social, etc., com a precariedade produzindo efeitos sempre mais ou menos idênticos e que se tornam particularmente visíveis no caso extremo dos desempregados: a desestruturação da existência, privada entre outras coisas das suas estruturas temporais e a degradação de toda a relação com o mundo, com o tempo, com o espaço, que se lhe segue. A precariedade afecta profundamente aquele ou aquela que a sofre; tornando todo o futuro incerto, proíbe qualquer antecipação racional, em particular, esse mínimo de esperança e de crença no futuro que é necessária à revolta, sobretudo colectiva, contra o presente, por mais intolerável que este seja.

P. Bourdieu

sexta-feira, 11 de março de 2011

Leituras da Crise - Global Generation


Em 2007, no livro Global Generation os sociólogos Ulrich Beck e Elisabeth Beck-Gernsheim perguntavam: Há “gerações globais”? O que significa “geração global”? A referência geracional inscrever-se-á ainda na territorialidade delida do estado-nação? Carecerá de um “ponto de vista cosmopolita que elucide as dinâmicas geracionais que exacerbam as tensões intergeracionais no seio das nações e as afinidades e conflitos intra-geracionais entre nações” ? Persista-se: o que haverá de comum e incomum entre a juventude da “Revolução do Jasmim” tunisina e a portuguesa “Geração à Rasca”? As gerações têm, insitamente, diversas partições e fraccionamentos, pelo que um tenteio de resposta às questões enunciadas podia ser dada por este exemplo, tomado a esmo de Ulrich Beck e Elisabeth Beck-Gernsheim : “ Por exemplo, as globalizadas “Gerações do Consumo” compreendem diferentes fracções; não somente aquelas que compram e vivem as marcas do consumo e imagens, mas também aquelas que, sendo incapazes de comprar e viver estes símbolos, arriscam as suas vidas para se tornarem migrantes para os paraísos do consumo no Ocidente ou no Dubai.”

quinta-feira, 3 de março de 2011

Paul Virilio: A Velocidade Envelhece O Mundo



O que faria Virilio se fosse presidente da república? Criaria um ministério do tempo: do tempo que passa, horológico; do tempo em que se faz - próprio da duração das actividades humanas; do tempo que faz, isto é, do clima. Segundo Virilio, em entrevista à Philosophie Magazine, até hoje a política ocupou-se sobretudo do espaço, da organização dos territórios, dos traçados das fronteiras. A política foi sobretudo geopolítica. Ora, diz-nos Virilio, o aquecimento climático e a aceleração da história – que leva os governos a reagir em tempo real, dando a impressão de agitação e impotência e fazendo entrar a nossa civilização numa fase de obsolescência e senilidade – deveriam compelir-nos a pensar em termos de cronopolítica e de meteopolítica.