terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Dicionário do Mofino 50

Navalha, s.f. Artefacto de cutelaria que, nas altercações, é o prolongamento natural de uma língua afiada (G. C. Lichtenberg usou uma faca sem lâmina à qual faltava o cabo, mas consta que nunca ganhou uma polémica, tendo-se abalançado-se a género mais monológico - o aforismo). Nas discussões filosóficas, a de Ockham serve para fatiar a vis metaphysica e teológica em fatias mastigáveis, embora, tal como o atiçador de Wittgenstein, também possa ser usada como argumento ad baculum e cortar o pio a muito burro zornão.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Dicionário do Mofino 49


Tentação, s.f. Glosando Wilde, aquilo a que nunca devemos resistir - a menos que sejamos tentados, diz este escriba; desde o pecadilho edénico que tropeçamos na virtude e caímos na tentação. O inverso já foi tentado pela santidade, mas violava a Terceira lei de Newton e derruíu ( A toda a tentação há sempre uma tentação oposta e de igual intensidade: ou as tentações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas na mesma direcção); a da carne apoquenta sobremaneira puritanos e vegetarianos: furtando-se à sua tirania nos verdores da juventude, acabam por ser evitados por ela na velhice; A sujeição à tentação define dois tipos de homens: os que caem na tentação e ficam arrependidos; os que não caem e arrependidos ficam.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Elogio do dinheirinho


É tão importante e feio falar sobre o dinheiro: o que embolsamos ou não embolsamos, o que nos abunda ou rareia. É tão loquaz e claro o vil metal, agora que alguns ascetas concitam à frugalidade e, hipócrita e cristãmente, fazem apólogos à pobreza. Relembremos com Pascal Bruckner o que todos sabem: Nada de mais feio, de mais aberrante, do que o elogio da pobreza feito por alguns doutrinadores cristãos, como se ela em si mesma fosse dotada de uma virtude superior. A pobreza sofrida é odiosa para quem acumula privações e humilhações, reforça as dificuldades pela vergonha. Em todas as circunstâncias o dinheiro deve ser classificado entre os “preferíveis” (Séneca), do qual é permitido dispor se o destino vos colocar em posição de o ter.
Ninguém condenou a sabedoria à pobreza, recordarão, adossados à sageza antiga de Séneca, os conselheiros da EDP. Isto, se a fortuna os colocou em posição de o ler.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Gustav Leonhard/1928 - 2012




Cioran escreveu que sem Bach, Deus seria apenas um mero coadjuvante. Sem Gustav Leonhardt, o que teria sido Bach e a Música Antiga?

Although Leonhardt regarded Bach as “the greatest genius that ever lived in the history of music”, he readily admitted, in an interview with The Scotsman in 2001, that in the early days of his research “the early music scene was all a bit black and white”. He made it his mission to inject more colour into the early music spectrum. Couperin and Leroux became staple composers of a Leonhardt recital. Telemann was never far away, and the music of Ritter, Böhm and Reincken gradually received an airing.
To those who said that the sound of the harpsichord was too thin to carry in a modern hall, he insisted that it was the audience, not the venue that should change. “When the ear of the listener can adapt to that level and refinement, it is one of the finest instruments around,” he insisted.
The silver-haired figure, with his high forehead and long craggy face, would reverently approach the harpsichord, raising the casket’s lid in an almost funereal manner before bringing life to the music of the long-dead composers whose cause he championed with such reserved passion.

The Telegraph

Wednesday 18 January 2012

Fumódromo



Em New York, dizem, é proibido fumar no Central Park e em Portugal, a breve trecho, poderá vir a ser proibido fumar nas esplanadas.
O dever da felicidade nas sociedades actuais, escreveu-o Pascal Bruckner, é correlato do dever de bem-aventurança na saúde. Mas a saúde tem o seu martirológico - a via crucis dos ginásios, das dietas, da provação da privação - e é um estado transitório que não augura nada de bom. Vigiar o corpo insurrecto, lugar de ameaça latente, da doença, do prazer vicioso, do excesso de peso, do insidioso colesterol, tornou-se a obsessão da ideologia da longevidade e da juventude que, di-lo Bruckner, é a ideologia das nações envelhecidas e dá do Ocidente a imagem de um serviço de geriatria. Durante séculos tentaram, debalde, salvar-nos a alma. Recusámos. Em boa verdade, não havia nada para salvar. Hoje, querem resgatar-nos o corpo malsão e santificá-lo por uma saúde longeva; querem o são corpo glorioso ressurrecto, do açúcar, do sedentarismo, do tabagismo. Mas continua a não haver nada para salvar – a saúde é um estado transitório que não augura nada de bom, cuja principal virtude é a indiferença para consigo. Naturalmente, continuaremos a preferir a perdição, a morte, a vida.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Walkman killed the philosophy stars



As novas tecnologias ameaçam o "silêncio" e o "intimismo" necessário à descoberta das grandes obras literárias e filosóficas? Sim, responde George Steiner.  A qualidade do silêncio está organicamente ligada à da linguagem, e o gadgetismo proliferante das novas Tecnologias do Espírito tem uma propensão distrativa dissonante com  aquilo que Derrida designava como a clausura do livro ( la clôture du livre) e a abertura do texto (l`ouverture du texte). Diz Steiner: as pessoas vivem no meio da algazarra. Já não há noite nas cidades. Os jovens têm medo do silêncio. O que vai acontecer às leituras sérias e difíceis? Ler uma página de Platão com um walkman nos ouvidos?!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Arte, Verdade e Toponímia



Artista cria “Rua Isaltino Morais (corrupto, criminoso, político)"

 A Rua 7 de Junho de 1759 em Oeiras foi “rebatizada” para “Rua Isaltino Morais (corrupto, criminoso, político) ”. A ideia partiu de um artista urbano que utiliza a azulejaria tradicional portuguesa como forma de expressão e que já havia mudado o nome do Largo de Mompilher, no Porto, para “José Sócrates (mentiroso, corrupto, incompetente, primeiro-ministro de Portugal 2005-2011).

Sapo/Notícias

Diário dos Perplexos/Net, O Confessionário

As pessoas vão ter de viver com o que escreveram e partilharam hoje daqui a 20 anos, afirmou o Conselheiro de Informação para a Inovação e Tecnologia de Hillary Clinton. A Internet é um confessionário, mas a ausência do sigilo sacramental e a monstruosidade da sua memória indelével irá ter implicações na forma como as pessoas socializam. As novas tecnologias da memória, últimas derivações da escrita e da Galáxia Gutenberg, parecem tornar mais fácil a vingança, mais difícil o perdão. A crer em Borges, que inventou Funes , o Memorioso, e escreveu um conto sobre o perigoso absurdo de uma memória omnireminiscente, isto seria esquecer que o esquecimento é a única vingança e o único perdão.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Dicionário do Mofino 48

Maçonaria, s.f. A mais discreta associação de surdos-mudos; os seus fins últimos são por isso inconfessáveis, o que advirá também da varonil confraternização em que os fratres usam avental sem cozinhar e sem rir.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

B Fachada - "A'deus Pátria e Família" - A Arte de Ser Português

Sem nunca terem feito metafísica que se visse e sopesasse, os portugueses pelam-se por triadizações transcendentais: Deus/ Pátria/ Família, Fado/Fátima/ Futebol, Sporting/ Benfica/ Porto. Ora, B. Fachada editou um disco sobre a Troika, Deus, Pátria e Família, e numa suite de vinte minutos em ritmo de ginga lenta ao piano e planares de sintetizador desconstruiu todas as análises caracterológicas do actual ser português. Fachada é o nosso genial subjectivista Derrida pop-music. Em sobrevoo: de Teixeira de Pascoaes a Alexandre O'Neill, de Eduardo Lourenço a José Gil, ninguém sabe tanto sobre nós como B. Fachada. Com desfaçatez, Fachada escreveu a Arte de Ser Português com a Troika. Em fachadês.(...) Portugal está para acabar/É deixar o cabrão morrer/Sem a pátria para cantar/Sobra um mundo para viver/Chegam flores do estrangeiro/Já escolhemos o coveiro/Por mim é para queimar/Mas não quero exagerar//Não à glória nacional/Não à força não letal/Já não canto sobre amores/Nem me perco no recheio/É que em terra de amadores/Basta ter o pau a meio//Eu não sei português/E que se foda Portugal/Eu canto em fachadês/A minha língua paternal...