segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Filosofia para tempos difíceis/ Aristóteles Para Executivos, Nietzsche Para Estressados, Guia Resumido do Estoicismo Doméstico.

A Questão Judaica é uma questão tão provecta como o povo Judeu. Já A Questão Finkler é tão ancestral como o povo Judeu, mas tem também a idade de Samuel Finkler, uma das personagens Rothianas do romance de Howard Jacobson. Quem é Samuel Finkler? Finkler é um filósofo inglês, judeu, que, segundo o seu amigo Julian Treslove, encarna a forma mentis da natureza do povo eleito, levando-o a usar onomasticamente o nome Finkler para se referir a todos os judeus e a tudo o que presume judaico. Finkler estudou Filosofia e Ética em Oxford, ganha visibilidade com livros de self-help philosophy com títulos tão risíveis como O existencialista na Cozinha, O Guia Resumido do Estoicismo Doméstico, e protagoniza programas de televisão onde mostra como Schopenhauer pode ajudar as pessoas na sua vida amorosa, Hegel na planificação das férias e Wittgenstein a decorar códigos pin.
Com merecimento, a self-help philosophy já tem existência literária e o seu filósofo dilecto - Samuel Finkler, e na verdade, de cada vez que deito o olho às estantes de filosofia da FNAC e me deparo com títulos como Aristóteles Para Executivos ou Nietzsche Para Estressados, lembro-me do autor do Guia Resumido do Estoicismo Doméstico, livro que nunca foi escrito mas não deve tardar, porque, como escreveu Leibniz, o possível exige existir, sobretudo agora, que o real está impossível.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Diário dos perplexos/O ministro do tempo

Há um par de anos, perguntaram ao filósofo Paul Virilio o que faria se fosse presidente da república. Criaria um ministério do tempo, respondeu: do tempo que passa, horológico; do tempo em que se faz, próprio da duração das actividades humanas; do tempo que faz, isto é, do clima. 
Segundo Virilio, até hoje a política ocupou-se sobretudo do espaço, da organização dos territórios, dos traçados das fronteiras. A política foi sobretudo geopolítica. Ora, dizia-nos Virilio, o aquecimento climático e a aceleração da história – que leva os governos a reagir em tempo real, dando a impressão de agitação e impotência e fazendo entrar a nossa civilização numa fase de obsolescência e senilidade – deveriam compelir-nos a pensar em termos de cronopolítica e de meteopolítica. Ora, tudo isto nada tem a ver com o ministro que resolveu colocar na sede do seu partido um relógio que conta de forma decrescente o tempo que falta até a troika se ir oficialmente embora, e que é, pois claro, mais da ordem do ciceroniano o tempora o mores.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Diário dos perplexos/ "o passeio do bêbado" ou como usar a estatística e o Vasco Santana na análise do desemprego ou...

Disraeli dizia que havia três tipos de mentiras: as mentiras, as mentiras danadas e as estatísticas. Por cá minga o esprit de finesse, e só há mesmo mentiras, que são ostensiva e tautologicamente mentirosas. O meu estupor já não nasce do useiro e vezeiro facto das estatísticas serem usadas como um ébrio usa um poste de iluminação – para apoio e não para obter luz -, o estupor advém agora da natureza da trampolinice que, de tão pueril e curta perna, já não anda – passinha, passinha...

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

That Was The Worst Christmas Ever!/Música sobre o Natal, para o Natal, para gostar do Natal, para detestar o Natal...

Do homem que um dia quis gravar um álbum para cada um dos cinquenta estados americanos (50 states project) e gravou 5 ep's de música de Natal, antiga e original, eis That Was The Worst Christmas Ever! Música sobre o Natal, para o Natal, para gostar do Natal, para detestar o Natal, mas nunca, nunca, valha-nos o génio de Sufjan Stevens, música de Natal.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Dicionário do Mofino/13

Natal, s.m. Aniversário ímpar em que não faz sentido assediar o aniversariante com votos de longevidade (e que terá levado o apologeta cristão Arnobius a ridicularizar a ideia pagã de celebrar o aniversário dos deuses); trégua nas desavenças familiares, para que possam ser retomadas no dia seguinte com redobrada fereza; período em que o homem descobre a sua humanidade em copiosíssimas ingestões e contritas indigestões; dia em que descobrimos que a fonte e a raiz de todo o bem é o prazer do ventre; época na qual a felicidade se eleva à exaltação e estatela na depressão; altura do ano em que entreabrimos os corações, abrimos a bolsas e escancaramos as portas à gula da parentela.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Prof./Outra vida, amigo, outra vida! Nesta derrancas-me o sangue...

Fim de período. Relembrar o mestre Aquilino. No Cinco Reis de Gente, com a mestria useira e vezeira, Aquilino apresenta-nos o Padre Serrão, mestraço de latinidades e propedeuta dos filhos de labregos ricos que não sabiam o que fazer ao dinheiro e agradava à sua prosápia ter um filho tonsurado. De ordinário, escreve Aquilino, e como estes efebos, ásperos e bravios, toscanejassem de tédio a silabar o rosário das declinações, o padre Serrão despedia-os com este remoque terminativo: Outra vida, amigo, outra vida! Nesta derrancas-me o sangue, gastas o baguinho a teu pai e ficas burro como dantes.
Volvido um século de Psicologias e Pedagogias várias, novéis e diferenciais, o remoque do Padre Serrão devia continuar a ser um começo de vida. Não é. E vão 20 planos de recuperação.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Is love a social construct?


Só os Pet Shop Boys o poderiam ter feito. Misturar, em delírio mixológico, elementos de uma peça de Michael Nyman (que já remetia para a música de Purcell) com a Sociologia das Emoções é obra. É isto a aventura da Pop! É isto a canção pop transmudada em pequeno ensaio sociológico. É isto Love Is A Bourgeois Construct? Alguns acham que sim.

While the bankers all get their bonuses
I'll just get along with what I've got
Watching the weeds in the garden
Putting my feet up a lot
I'll explore the outer limits of boredom
moaning periodically
Just a full-time, lonely layabout
that's me

When you walked out you did me a favour
It's absolutely clear to me
that love is a bourgeois construct
just like they said at university
I'll be taking my time for a long time
with all the schadenfreude it's cost
calculating what you've lost

Now I'm digging through my student paperbacks
Flicking through Karl Marx again
Searching for the soul of England
Drinking tea like Tony Benn
Love is just a bourgeois construct
so I'm giving up the bourgeoisie

until you come back to me

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Diário dos Perplexos/Não será gastar cera com ruim defunto, mas…

Nada de hagiografias e apólogos simplistas. Um santo, di-lo Bierce, é um pecador morto, revisto e corrigido, sendo que um pecador vivo é um quase beato, bastando para tal morrer, vestir-lhe o fato, esticá-lo inteiro e chamar o defunteiro.
Fazer a guerra quando não se pode ter a paz, fazer a paz quando não se pode ter a guerra, sempre foi humano, demasiado humano. Nem sempre é fácil fazê-lo bem, e é por isso que faz sentido gastar cera com tamanho defuntoMas, em verdade vos digo, apesar de não ser dos do Maniqueu, não foi fácil conter os engulhos quando vi alguns líderes nas cerimónias, presença que comprova, aliás, que o odor de santidade continua a açodar muita gentalha.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Obama & Raquel Varela e as self-fulfilling prophecies

Enquanto alguns economistas vaticinam a morte do sistema actual de segurança social, fazem a apologia da self help e clamam que só uma minoria de desvalidos, os deserving poors, merece apoio, outros, adeptos das mertonianas self-fulfilling prophecies, não querem deixar a profecia depender da casuística e estão empenhados, segundo Bourdieu, em fazer da insegurança social um princípio positivo de organização colectiva, capaz de produzir agentes económicos mais eficazes e produtivos.

Recentemente, o presidente Obama pôs-se a fazer umas contas sobre a falta de mobilidade social e a crescente desigualdade no seu país, ilustrando este facto com a seguinte intervenção: Desde 1979, quando terminei o liceu, a produtividade da economia americana subiu mais de 90%, mas os rendimentos da família típica americana aumentaram menos de 8%. E continuou: No passado, o salário do director de uma empresa era 20 ou trinta vezes o de um trabalhador médio, hoje é 273 vezes mais. Ora aí estão dois factores a ponderar pelos áugures da insustentabilidade da segurança social, que têm propalado a tese do catastrofismo demográfico. Depois disto, a tese que afirma que a chave da sustentabilidade da segurança social está na riqueza produzida e nas relações laborais e não no actual quadro demográfico não será tão risível. Depois disto, até a negregada Raquel Varela pode citar Obama.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Oração pela privatização dos CTT (Pace, Saramago!)

Marx afirmou que a propriedade privada nos tornou tão estúpidos e limitados, que um objecto só é nosso quando o possuímos, o que o terá levado a partilhar fraternalmente a fortuna de Engels. Proudhon, frasista compulsivo, proclamou que a propriedade é um roubo, depois de ter plagiado a proclamação. Já para os catecúmenos liberais – mesmo para aqueles que passinham os primeiros passos na passeadeira da alta política – as privatizações são um arroubo de redenção económica, e o friso dos economistas coristas, secretários de estado e ministros, apodíctico, assevera que é necessário retirar o Estado dos negócios. Mas, entre-dentes, o rapazio resmoneia: 
Ai os malandrins ronhosos! Ai que a política para eles é a continuação dos negócios por outros meios! Ai os manhosos, que sempre, em rapina, sobrepairaram sobre o público e o privado! Ai, tomai atenção, pois, à vidinha vindoura desta matulagem, já que um ministro não é senão um político em trânsito entre um conselho de administração e outro conselho de administração!
Para eles, os malandrins ronhosos, mais uma vez, a saramaguiana oração exprobatória.

Oração pelas Privatizações

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»

                                                                                                               José Saramago – Cadernos de Lanzarote - Diário 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Prof. Quadros de Excelência/Quadros de Decepção

Cioran escreveu que a única coisa que deveríamos ensinar aos jovens é que não há nada, digamos quase nada, a esperar da vida. Imagine-se um Quadro das Decepções onde constariam as desilusões reservadas a cada um de nós, e que seria afixado nas escolasParece-me boa ideia. Há demasiados Quadros de Honra e de Excelência.