domingo, 3 de novembro de 2013

Diário dos perplexos/A crise contada por Esopo


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Como é sabido, as fábulas de Esopo acabavam invariavelmente com uma tirada moral, o Epimítio, introduzida sempre pela expressão a fábula ensina, a estória mostra (ho mythos deloí), cujo intento era definir  um módico de sageza moral, formular e empírica.
Na fábula narrada sobre a crise, contada com amenidade e graça, os caracteres são os meridionais, esse gentio prenhe de aleijões morais e cívicos, descrito graciosamente por Susan Sontag no Amante do Vulcão como gente que trabalha o menos possível, preferindo dançar, beber, querelar, matar as mulheres infiéis; gente indolente e dócil, ignorante, supersticiosa, desinibida, nunca pontual, visivelmente mais pobre (como não poderia deixar de ser, dizem os do norte), que, segundo Sontag, apesar de tudo, levam vidas invejáveis - ou antes, invejadas pelos setentrionais, sacrificados do trabalho, sensualmente inibidos e com governos menos corruptos.
Ho mythos deloí, a fábula ensinava, é claro, que, à semelhança da rã que se quis igualar ao boi e acabou por rebentar, a crise era o resultado das vidas invejáveis que levávamos e das quais teríamos inexoravelmente de abdicar. Foi o que fizemos e, asinha, asinha, voltámos ao charco. Mas a fábula pode estar mal contada e a moral da estória pode ser outra, quiçá imoral.

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