quinta-feira, 7 de abril de 2011

Leituras da Crise - ŽIŽEK, o FMI e O HERÓICO PARANÓICO HARA-KIRI


Durante os protestos deste ano contra as medidas de austeridade da Eurozone - na Grécia e, em menor escala, Irlanda, Itália e Espanha - duas estórias se impuseram. A estória dominante, já estabelecida, propõe uma naturalização apolítica da crise: as medidas de regulamentação são apresentadas não fundadas em escolhas políticas, mas como imperativos de uma lógica financeira neutra – se queremos que nossas economias se estabilizem, simplesmente temos que engolir o remédio amargo. A outra estória, a dos trabalhadores, estudantes e pensionistas que participaram do protesto, enxerga as medidas de austeridade como outra tentativa do capital financeiro internacional de desmantelar os últimos vestígios do Estado de bem-estar.O FMI aparece então por uma perspectiva, como um agente neutro da disciplina e da ordem, e por outra, como um agente opressor do capital global.
Há um momento de verdade nas duas perspectivas. Não se pode deixar passar em branco a dimensão de superego com que o FMI trata seus Estados clientes – enquanto os repreende e pune pelas dívidas não pagas, simultaneamente oferece novos empréstimos, que todos sabem que não poderão ser pagos, sugando-os então para mais fundo no círculo vicioso de dívida gerando dívidas. Por outro lado, a razão pela qual esta estratégia de superado funciona é a de que, o Estado que toma dinheiro emprestado, sabendo perfeitamente que jamais terá de pagar a dívida em sua total dimensão, tem esperanças de lucrar com isto em última instância.
(..)É comum se ouvir dizer que a verdadeira mensagem da crise na Eurozone é que não só o Euro, mas o projeto de uma Europa unida está morto. Mas antes de endossar esta afirmação geral, devemos adicionar uma torção Leninista a ela: a Europa está morta – OK, mas qual Europa? A resposta é: a Europa pós-política da acomodação ao mercado mundial, a Europa que repetidamente foi rejeitada nos referendos, a Europa tecnocra-ta expert de Bruxelas. A Europa que apresenta a si mesma como a fria razão europeia contra a paixão e corrupção gregas, a favor da matemática contra os patetas. Mas, por utópico que possa parecer, o espaço ainda está aberto para outra Europa: uma Europa re-politizada, fundada num projeto emancipatório comum, a Europa que deu à luz a antiga democracia Grega, às revoluções francesa e russa. É por isso que se deve evitar a tentação de se reagir em relação à crise financeira atual com um recuo aos Estados-nação totalmente soberanos, presas fáceis para a flutuação livre do capital internacional,que pode jogar um Estado contra outro. Mais que nunca, a resposta a todas as crises deve ser mais internacionalista e universalista do que a universalidade do capital global.

SLAVOJ ŽIŽEK - Originalmente publicado na edição de número 64 da New Left Review

Sem comentários:

Enviar um comentário