domingo, 27 de novembro de 2011

Genealogia da Dívida



No número 54 da revista Philosophie, Alexandre Lacroix assina o artigo Comment l’ Occident a Inventé la Dette. HeIdeggerianamente, o autor defende que a essência da dívida económica não deve ser procurada na economia, e ensaia uma tentativa de radicação do discurso económico da dívida na própria estrutura moral e metafísica do Ocidente e nas suas concepções de humano, tempo, história, mediante três figuras tutelares da Filosofia da Cultura – Nietzsche, Freud, Benjamin.
Detenhamo-nos em Nietzsche que, na segunda dissertação da Genealogia da Moral, consagra uma longa passagem ao conceito de dívida-culpa (relembra Lacroix que, na língua alemã, a palavra Schuld significa dívida e culpa, e que a ligação entre as duas dimensões se faz espontaneamente). É pela dívida-culpa que o homem, ser de promessa, animal promitente, supera a sua condição animal e inscreve o tempo histórico e a memória na temporalidade animal. A promessa e a memória da promessa, como culpa ou ameaça de punição, são a genealogia da dívida, e Nietzsche elucida-nos sobre as primevas formas de recuperação das dívidas pelo credores, designadamente a manu militari, «em que o credor podia infligir ao corpo do devedor todos os tipos de humilhações e torturas, por exemplo cortar um pedaço que parecesse corresponder à dimensão da dívida…» Para além da dimensão moral, subjaz também ao conceito de dívida uma dimensão metafísica, teleológica, que remete para uma concepção linear de tempo e que, ascensional e melhorista (do pior para o melhor, da queda para a redenção), presume um providencialismo soteriológico no qual o acto de fé implícito no crédito nunca é um acto completamente irracional, podendo ser inscrito numa economia da salvação (aquele que empresta acredita vir a receber, aquele que pede acredita melhorar a sua situação e pagar).
Agora que o moralismo austeritário nos pôs a falar a língua da crise – culpa, e que o acto de crédito parece ter deixado de ser inscrito numa economia da salvação, resta-nos, também com Nietzsche, aprender o pessimismo.

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