David
Hume dizia que uma generosidade absoluta e universal dispensaria a justiça ( e
justificaria um certo quietismo político-vindicativo), já que lograria produzir
os mesmos efeitos que esta produz. Esta parece ser a forma mentis de um certo
espírito solidário, que rasura a questão política do dar a cada um o que é dele
e lhe é devido, por justiça, mas é prestadia a oferecer o que não é dele e não
lhe é devido, por caridade.
O que
parece interessante, é que esta forma mentis dos espíritos caritativos revela
uma tresleitura do ethos cristão: o exercício da caridade cristã envolve sempre
uma perturbação, um pudor e sobressalto moral ( os apelos à discrição na dádiva
– quando derdes esmolas, que não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita
– são disso exemplo), o que faz com que ela seja sempre um bem menor ao
serviço de uma moral provisória, superada por uma outra que saciará os famintos
e sedentos de justiça (bem maior). Um verdadeiro cristão pode dar por
caridade o que é devido por justiça, mas nunca o fará sem pudor e esperança: o
pudor de não haver justiça, a esperança de que ela possa ser feita. Na verdade,
o cristão terá de pensar, com Chamfort, que é necessário ser justo antes de ser
generoso, como é necessário ter camisa antes de pôr as rendas, e um cristão
pragmático ( que suspeite da economia da salvação) não deixará de o ser já.
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