sábado, 22 de dezembro de 2012

Diário dos Perplexos/Deus Aprendeu Bom Grego?




A propósito da bizantina e católica questão de saber se, aquando da natividade, havia ou não gado vacum e asinino no presépio, foram já arredadas todas as dúvidas: não havia. Podem embezerrar alguns, asneirar outros, mas não senhor, não havia, e di-lo ex cathedra quem é infalível, o Papa, em livro recente sobre Jesus Cristo. Sobre esta ninhice hermenêutica das Escrituras estamos conversados, mas Bento XVI não se queda por aqui: não só o burro e a vaca não estavam no presépio como a virgindade da mãe de Jesus Cristo é uma verdade inequívoca da fé. Ora, hoc opus, hic labor est ou, em tradução libertária da minha avó Maria, aqui é que a porca torce o rabo. E torce porquê? Porque se sobre as alimárias é fácil encontrar a corroboração testamentária, sobre a virgindade de Maria a coisa pia mais fino. Há uma disputação linguística perene sobre as palavras que o hebraico e o grego usaram para se referirem à mãe do Messias. Recentemente, o teólogo José Tolentino de Mendonça, a propósito de um livro cometido por José Rodrigues dos Santos, veio reafirmar o que já era consabido: nas profecias de Isaías escritas em hebraico a palavra que este usou para se referir à mãe do Messias foi “mulher jovem”, almah, e não virgem. Na tradução para grego, o autor enganou-se neste versículo e em vez de “mulher jovem” a palavra que usou foi parthénos, ou seja,” virgem”. O problema é que o lapsus calami do autor induz mil interpretações, que fazem deste engano uma interminável disputa exegético-teológica. É claro que Nietzsche, mofino, resolveria o assunto de outro modo e perguntaria: mas quem é que mandou o autor, deus, usar uma língua que não aprendeu bem?

Sem comentários:

Enviar um comentário