Já aqui
escrevemos bastamente sobre Stephen Ball e a sujeição dos professores aos terrores da performatividade (relatórios
atrás de relatórios, actas atrás de actas, justificações atrás de
justificações, avaliações atrás de avaliações, evidências atrás
de evidências). A designada avaliação do desempenho é um destes terrores da performatividade que, usando
as palavras do filósofo e crítico literário António Guerreiro, em artigo
publicado no Expresso-Atual de 11-08-2012, longe de ser uma prática
metodológica/epistemológica sofisticada relevando de uma ciência, é um mecanismo puramente gestionário ao serviço de uma ideologia e de
um aparelho burocrático e administrativo.
Leiamos o
seguinte texto do professor João Ruivo que, malgrado verberar a pretensão
obscena do Ministério de querer transformar professores comuns em professores
avaliadores (os primeiros, treinados na avaliação dos conhecimentos discentes,
os segundos, obrigados a avaliar desempenhos docentes, pelo que confundir a
tarefa dos dois é confundir a Estrada da Beira com a beira da estrada), parece
querer definir as condições de possibilidade da avaliação dos professores e ter
implícita a ideia da redução do desempenho docente a índices rigorosamente mensuráveis:
Para avaliar professores requerem-se
características pessoais e profissionais especiais, para além de uma formação
especializada e de centenas de horas de treino, dedicadas à observação de
classes e ao registo e interpretação dos incidentes críticos aí prognosticados.
Cuidado com as ratoeiras! Quem foi preparado para avaliar alunos não está,
apenas pelo exercício dessa função, automaticamente preparado para avaliar os
seus colegas…
(…) É necessário que domine com rigor
as técnicas de registo e de observação de aulas, conheça as metodologias de
treino de competências, os procedimentos de planeamento curricular, e as
estratégias de promoção da reflexão crítica sobre o trabalho efectuado.
O artigo
refere as técnicas de registo e de observação de aulas, as metodologias de treino de competências, os procedimentos de planeamento
curricular, como se esta utensilagem, apesar da sua vagueza assim expressa no ideolecto sisudo
das Ciências da Educação, fosse interna a um saber já validado e isento de
ideologia. Na verdade, não é. Segundo António Guerreiro no artigo supracitado,
referindo-se à rigorosíssima avaliação das fundações feita pelo governo, os avaliadores
medindo, calculando, numerando e
comparando, imaginam-se a fazer um trabalho científico. Tão
científico que nenhuma décima escapa à medição apuradíssima. Na verdade,
não estão. E conclui António Guerreiro:
Os avaliadores são uma seita e a sua mística
é a ordem quantitativa pela qual tudo acede a um estado estatístico e entra num
ranking. Mas como sabem que o seu trabalho não é interno a um saber, eles
precisam que os avaliados (que, por sua vez, são os avaliadores dos outros)
lhes outorguem legitimidade, que a creditação seja ao mesmo tempo coerciva e
consentida. Esse consentimento tácito é obtido através da autoavaliação que os
avaliados são convidados a fazer e que lembre o ritual da autocrítica que era
imposto nos regimes comunistas. Pela autoavaliação, o sujeito avaliado confessa
os seus pecados, incrimina-se a si próprio, denuncia as suas inclinações menos
produtivas. Tudo isso para responder às eternas injunções da burocracia e
também para assumir uma cumplicidade estratégica com os avaliadores em posição
de mestres.
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