sexta-feira, 15 de agosto de 2014

As grandes evasões bárbaras

A revista Visão publicou recentemente uma reportagem sobre os efeitos devastadores do turismo na cidade de Veneza, que, para além de algumas medidas insuficientes de gestão urbana, terá originado um activismo anti-turismo crítico e pugnaz.
Tenho um amigo que foi à procura do paraíso ao Hawai e a outros destinos luxurientos e se tornou num agnóstico do turismo e das viagens. Agora, descansa verdadeiramente o mês de agosto inteirinho, engolido pelo sofá, a ver travel channels e a bebericar Alvarinho frappé. Um outro sofreu uma paralisia facial quando se preparava para almoçar num remotíssimo lugarejo da Patagónia e encontrou o Ronald da MacDonalds. Agora, em casa no mês de Julho, apura l`art de maîtriser le feu, e degusta no mês inteirinho sapidíssimos petiscos.
Viajar já não é o que era - dizem os antropólogos. Viajar é até desaconselhado nalguns casos - dizem os Psis alarmados com os picos de stress e ansiedade nos períodos de férias. O turismo recalcou o sentido civilizacional da viagem como busca da verdade, da paz, da imortalidade, na procura e na descoberta dum centro espiritual, e transformou os hodiernos viajantes meteóricos e consumidores de lugares, pasteurizados, empacotados (os pacotes turísticos). Contrariamente ao que se diz, já não há estradas que vão dar ao mundo inteiro nem viajantes que sigam o conselho de Buda - não podes percorrer o caminho antes de te tornares no próprio caminho. Hordas de bárbaros voam de continente para continente, de país para país,esbaforidos,sobraçando bagagens, à procura do lugar mítico do catálogo, que transformou o percurso num trajecto de reconhecimento, sem lugar para o estranhamento e o inusitado. As pessoas não querem realmente ir de férias. As pessoas querem ficar de férias.O problema é que o turismo é a nova crendice multicultural, como diz David Lodge, celebrado escritor inglês, no seu livro Notícias do Paraíso: «católicos, protestantes, hindus, muçulmanos, budistas, ateus - a única coisa que têm em comum é a crença inabalável na importância de ver o Parténon, a capela Sistina, a Torre Eiffel».
O meu amigo não quer voltar ao Hawai. Diz-me que só no ano passado seis milhões de pessoas visitaram o destino, o que, convenhamos, é demasiada animação para um paraíso. Ultimamente tornou-se num feroz activista anti-turismo e, de forma intermitente, envia-me todos os textos panfletários que servem a causa. Aqui está o último:

« Os carreiros na região dos Lagos transformam-se em trincheiras.Os frescos da Capela Sistina estão a sofrer danos provocados pela respiração e pelo calor físico dos visitantes. Em cada minuto, cento e oito pessoas entram na Catedral de Notre Dame. O Mediterrâneo é uma sanita sem corrente de autoclismo e as probabilidades de apanhar uma doença para quem nele se banha são de uma em seis. Em 1987 tiveram de fechar Veneza porque estava cheia.»


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Mas agora, porra!, depois de desconstruir tudo aquilo a que se chama música popular portuguesa ou lá o que é, como um DerriDada pop music , o Fachada só pode ser ouvido sub specie aeternitatis. Se cá estivesses, ó O'Neill, dirias: “Ó Portugal, se fosses só três sílabas,” serias o Fachada.


Presume-se que a música do B. Fachada começou nos idos de 1143, mais coisa menos coisa, mas a história da música popular é uma ciência do impreciso.
Com Deus, Pátria e Família, e numa suite de vinte minutos em ritmo de ginga lenta ao piano e planares de sintetizador, desconstruiu todas as análises caracterológicas do actual ser português. Com desfaçatez, Fachada escreveu a Arte de Ser Português com a Troika. Em fachadês: (...)Portugal está para acabar/É deixar o cabrão morrer/Sem a pátria para cantar/Sobra um mundo para viver/Chegam flores do estrangeiro/Já escolhemos o coveiro/Por mim é para queimar/Mas não quero exagerar//Não à glória nacional/Não à força não letal/Já não canto sobre amores/Nem me perco no recheio/É que em terra de amadores/Basta ter o pau a meio//Eu não sei português/E que se foda Portugal/Eu canto em fachadês/A minha língua paternal...
Depois o Criôlo era bom, tão bom, que, como dizia o outro, devia ser proibido. Mas agora, porra!, depois de desconstruir tudo aquilo a que se chama música popular portuguesa ou lá o que é, como um DerriDada pop music , o Fachada só pode ser ouvido sub specie aeternitatis. Se cá estivesses, ó O'Neill, dirias: “Ó Portugal, se fosses só três sílabas,” serias o Fachada.