sábado, 26 de fevereiro de 2011

Dicionário Do Mofino 30

Geração, s.f. grupo de pessoas nascidas na mesma época e com a mesma vocação para a lamúria ou a gloríola; William Somerset Maugham escreveu que cada geração sorri dos pais, ri dos avós e admira os bisavós – tudo isto enquanto lhes dissipa os cabedais à sorrelfa; comummente, são descritas três gerações: a que se diverte, a que trabalha, a que assiste a tudo isto nas vascas da agonia.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Musicofilias/A Minha Geração : "Poderá uma pobre canção contribuir para a tua regeneração ou só te resta morrer desintegrada?"




Zygmaunt Bauman denominou o conceito de geração como um conceito performativo: cria uma entidade para a nomear. À semelhança dos conceitos de classe, género, nação e demais conceitos factícios, a nomeação sociológica é um modo de fazer mundos. Quantas gerações? Quais as gerações? Como nomeá-las?
A minha?

1970 (retrato) Lyrics
JP Simões

A minha geração, já se calou, já se perdeu, já amuou,
já se cansou, desapareceu, ou então casou, ou então mudou
ou então morreu: já se acabou.

A minha geração de hedonistas e de ateus, de anti-clubistas,
de anarquistas, deprimidos e de artistas e de autistas
estatelou-se docemente contra o céu.

A minha geração ironizou o coração, alimentou a confusão
brincou às mil revoluções amando gestos e protestos e canções,
pelo seu estilo controverso.

A minha geração, só se comove com excessos, com hecatombes,
com acessos de bruta cólera, de morte, de miséria, de mentiras,
de reflexos da sua funda castração.

A minha geração é a herdeira do silêncio,
dos grandes paizinhos do céu,
da indecência, do abuso.
E um belo dia fez-se à vida,
na cegueira do comércio

A minha geração é toda a minha solidão, é flor da ausência, sonho vão,
aparição, presságio, fogo de artifício, toda vício, toda boca
e pouca coisa na mão.

Vai minha geração, ergue a cabeça e solta os teus filhos no esplendor do lixo e do descuido,
Deixa-te ir enquanto o sabor acre da desistência vai corroendo a doçura da sua infância.
Vai minha geração, reage, diz que não é nada assim,
Que é um lamentável engano, erro tipográfico, estatística imprecisa, puro preconceito,
Que o teu único defeito é ter demasiadas qualidades e tropeçar nelas.

Vai minha geração, explica bem alto a toda a gente
Que és por demais inteligente, para sujar as mãos neste velho processo, triste traste de Deus.
De fingir que o nosso destino é ser um bocadinho melhor do que antes.
Vai minha geração, nasceste cansada, mimada, doente, por tudo e por nada, com medo de ser inventada
O que é que te falta, agora que não te falta nada?
Poderá uma pobre canção contribuir para a tua regeneração ou só te resta morrer desintegrada?

Mas minha geração,
Valeu a trapaça, até teve graça, tanta conversa, tanta utopia tonta, tanto copo, e a comida estava óptima! O que vamos fazer?

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Dicionário Do Mofino 29

Diplomacia, s.f. Para Bierce era a arte patriótica de mentir pelo nosso país - ao nosso país, sobre o nosso país, em qualquer país e usando qualquer língua, aduzimos nós; a alcoviteira da política internacional; segundo Otto Bismarck, a diplomacia sem as armas é como a música sem os instrumentos, o que não deve ser apoucado: mesmo sem os ditos, ameaçamos tocar e o gentio debanda; para Kissinger, a subtil ciência que permite distinguir o ditador simplicíssimo filho da puta do ditador que tem o subido valor de ser o nosso filho da puta.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Confiança e Medo na Cidade - Underclass Bauman











Escreveu Zygmunt Bauman no Confiança e Medo na Cidade que, desde os seus alvores, a modernidade sempre produziu « gente supérflua». Gente que, como diz Bauman sem «meias-tintas» e de chofre, « do ponto de vista das pessoas de bem, seria preferível que desaparecessem do mapa» ou se velassem com o diáfano véu da inexistência. Naturalmente, muita desta «gente supérflua» frequenta os centros de emprego e de saúde, a assistência social e as farmácias ( Rui Bebiano no Terceira Noite escreveu um post sobre o tema), forcejam lutando pela dignidade, mas, não raras vezes, acabam por morrer como viveram - invisivelmente. O escândalo da sua morte - aberto às escâncaras pelo proscénio emocional dos media - é o escândalo da decomposição dos laços sociais.
Bauman diz que existe uma palavra, inventada nos Estados Unidos, « que se propagou como um violento incêndio em toda a Europa». Trata-se da palavra desclassificado (underclass) e anda por aí a passinhar a superfluidade .


A dissolução da solidariedade assinalou o final da luta contra o medo adoptada pela modernidade sólida. Chegou a hora de afrouxar, desmantelar ou quebrar os mecanismos de protecção artificiais e dirigidos. A Europa, o primeiro continente a proceder a uma revisão da era moderna, e o primeiro a conhecer todo o seu leque de consequências, está a viver hoje a «segunda parte da liberalização acompanhada pelo individualismo», ainda que, desta feita, não por decisão própria, mas por ter sucumbido à pressão de forças mundiais que não pode dominar nem conter por muito que o deseje.
Paradoxalmente, quantos mais são os restos que localmente subsistem dos serviços que protegiam o indivíduo «do nascimento até à morte», e que são hoje atacados por todos os lados, mais tentador se torna descarregar o sentimento de perigo iminente – cada vez mais acentuado - através de reacções xenófobas.
Os poucos países (principalmente escandinavos) que ainda se mostram relutantes perante o abandono dos serviços de assistência estatais legados pela modernidade sólida, e se opõem às múltiplas solicitações que exortam à sua redução ou dissolução completa, consideram-se uma fortaleza sitiada por forças inimigas e estão persuadidos de que são os últimos representantes do Estado social, sendo este um privilégio que deve ser defendido a todo o custo dos intrusos que desejam saqueá-lo ou reduzir ainda mais as suas prestações.
(…) Quando a competição substitui a solidariedade, as pessoas vêem-se abandonadas aos seus próprios recursos dolorosamente escassos e manifestamente insuficientes. A deterioração e a decomposição dos laços convertem-nas, sem o seu consentimento, em indivíduos de iure, mas um destino opressivo e ingovernável conspira no sentido de lhes negar o ingresso na categoria de indivíduos de facto.


Zygmunt Bauman – Confiança e Medo na Cidade

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Musicofilias: Esperanza Spalding | Little Fly music



Compositora, cantora e contrabaixista, a norte-americana Esperanza Spalding recebeu no domingo em Los Angeles o prémio de revelação do ano durante a 53ª cerimónia dos Grammy Awards, arrebatando-o, Deus meu!, ao imberbe Justin Bieber. A notícia nada diz sobre o génio imenso de Esperanza Spalding, que deve ser cantado sem a contenção formal da sua música. Aqui no rincão, Ricardo Saló já o fez com proverbial mestria.

Imagine-se o inimaginável: jazz minimalista (em torno de cujo centro, de voz e contrabaixo, gravita uma formação de cordas), Joni, Rickie Lee, Billie e tudo o mais que o céu protege de Filadélfia a São Francisco levado à cena numa igreja renascentista de Roma à luz das polifonias barrocas da época. Dizer menos seria faltar à verdade.

Ricardo Saló - Expresso

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Dicionário Do Mofino 28

Testemunhar, v. Dar o dito pelo não dito (habitualmente, o vil metal); de um ponto de vista filosófico, a crer no Perspectivismo de Nietzsche, escolher entre os factos (que não existem) e uma versão deles, de acordo com um valor epistémico (a verdade, que também não existe) ou outro valor mais persuasivo e ponderoso (que existe quase sempre).

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Gastrofilias


Depois de Nigella Lawson, a abordagem pseudo-gastro-porn britânica, cosy e loquaz, continua a espalhar o seu efeito tóxico e a criar dependências, despudoradamente exibidas na blogosfera. Hoje vi a Sophie Dahl a fazer um blini topped with creamy scrambled egg and smoked salmon e apeteceu-me gritar more, yes, more, give it to me!!!

Multiculturalismo de Estado




DISCURSO NA CONFERÊNCIA DE MUNIQUE
DAVID CAMERON DENUNCIA FRACASSO DO MULTICULTURALISMO


Cameron defendeu que é preciso uma identidade nacional mais forte e uma política de “liberalismo musculado” para reforçar os valores da igualdade e da lei junto de todos os elementos da sociedade. O tema da integração está no centro das preocupações no Reino Unido desde o atentado que fez 56 mortos nos transportes públicos de Londres em Julho de 2005, mas o líder dos conservadores ainda não tinha feito nenhum grande discurso sobre o tema desde que chegou à chefia do Governo, em Maio do ano passado.

Na Conferência de Munique sobre segurança, Cameron criticou o que chama “multiculturalismo de Estado”, sustentando que organizações que pouco fazem para combater o extremismo devem deixar de receber dinheiros públicos. “Vamos avaliar correctamente estas organizações: Acreditam nos direitos universais – incluindo para as mulheres e membros de outras crenças? Acreditam na igualdade perante a lei? Acreditam na democracia e no direito do povo a eleger o seu governo? Encorajam a integração ou o separatismo?”, questionou.


Público 05.02.2011

«Os cidadãos com diversas identidades podem ser representados como iguais se as instituições públicas não reconhecerem as identidades de cada um, mas somente os nossos interesses mais comuns relativos à liberdades civil e política, rendimentos, cuidados de saúde e educação? Além de garantirem a todos os mesmos direitos, o que é que o respeito igualitário pelas pessoas implica? Até que ponto é que as nossas identidades como homens e mulheres, americanos de ascendência africana ou asiática, ou americanos nativos, cristãos, judeus ou muçulmanos, canadianos franceses ou ingleses têm?»

Amy Gutmann

Até agora o denominado “multiculturalismo de Estado”, estribado numa perspectiva universalista das democracias liberais, respondia que o respeito igualitário pelas pessoas implica o respeito pela diversidade, e que “ao advogar a diversidade, a democracia liberal está adoptar, não uma perspectiva particularista, mas sim universalista”. Mas as coisas estão a mudar e as políticas de reconhecimento e integração, advogadas politicamente viva voce, foram substituídas por políticas da indiferença, ciciadas sotto voce, no começo, proclamadas conciliarmente pelas figuras gradas da política europeia, por fim.
No comentário sobre o texto Políticas do Reconhecimento de Charles Taylor, o filósofo Michael Walzer tipifica duas perspectivas universalistas que “orientam as democracias liberais em diferentes direcções políticas” no que concerne ao problema do multiculturalismo: a primeira, sustenta a neutralidade e indiferença política do Estado em relação às diversas, e muitas vezes conflituosas, concepções de uma vida boa existentes na sociedade pluralista (e que pode ser uma indiferença liberal "musculada"); a segunda, crismada como “multicuralismo de estado”, promove políticas de reconhecimento e integração sob três condições: a) protecção dos direitos fundamentais de todos os cidadãos; b) inexistência de manipulação e coacção na aceitação de valores culturais; c) responsabilização de pessoas e instituições que fazem opções culturais minoritárias.
Qual a perspectiva mais democrática? Qual a menos democrática? Alguns,cínica e prudencialmente, dirão (Cameron incluído) que a mais democrática é a que mais faz perigar a democracia; outros invocarão o perigo maior da inexistência de "politics of recognition" e citarão Rousseau.
Apesar das aporias filosóficas, os grandes desafios ao multiculturalismo não são somente filosóficos, mas também políticos. Uma boa parte das críticas de Cameron ao multiculturalismo radica na compreensível ansiedade identitária e securitária em relação ao estrangeiro e na nostalgia de um passado no qual todos partilhavam laços de identidade e de solidariedade. Um passado irrestaurável? Naturalmente.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Dicionário Do Mofino 27

Escrupuloso, s.m. Rigorista moral que, amiúde, confunde a virtude com uma comichão.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Dicionário Do Mofino 26

Automóvel, s.m. Meio de transporte em cuja navegação, feita com o recurso a três pedais e volante (de volans, aquele que voa), um bípede sem plumas é naturalmente inepto.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Dicionário Do Mofino 25

Ministro, s.m. Político em trânsito entre um conselho de administração e outro conselho de administração (mais luzido); aspirante a ex-ministro; para a imorredoura duquesa de Sanseverina do Cartuxa de Parma, ser ministro é uma desgraça quando se é jovem, pelo que a condição de ministro é a condição daquele que, invariavelmente, é mais velho do que lhe é permitido pela idade; espécie de barbeiro camiliano, que intenta salvar o corpo moribundo da República com uma sangria decretatória; o que persegue o interesse público até à exaustão.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Dicionário Do Mofino 24

Sorte, s. f. Intersecção de séries causais que nunca convergem favoravelmente para o ponto mais importante do universo; a crer em Evelyn Waugh, a sorte seria uma senhora muito difamada, embora comedida nos favores concedidos; ser bafejado pela sorte significa estar numa singularidade do espaço-tempo na qual não necessitamos de canalizadores, electricistas, bancários, agentes de seguros e demais ecónomos do quotidiano; aquilo que, tal como a justiça e o rei D. Sebastião, tarda e não vem; jogos de sorte e azar: jogos em que a perda ou o ganho dependem mais do acaso do que do cálculo e em que a má sorte alterna com o azar, como por exemplo o Euromilhões, o casamento e a roleta eleitoral.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Dicionário Do Mofino 23

Oração, s.f. Placebo espiritual com efeito post mortem.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Musicofilias: Cairo, Táxi, 1982



Em 1982 os Táxi lançavam «Cairo», um clássico do Rock Português considerado um dos melhores de sempre da música portuguesa. A capa de formato original, com o disco dentro de uma caixa cilíndrica de lata, tornou «Cairo» um objecto de culto vendendo, nos primeiros três dias, cerca de 15 mil unidades.

Universal Music Portugal


Ponto de passagem
Cidade internacional
Os espiões vão de viagem
Joga-se o xadrez mundial

Aaah, tudo é diferente
Aaah, no Cairo quente

Desfilar de presidentes
Diplomatas enluvados
Todos querem noites quentes
E não ficarem queimados

Aaah, tudo é diferente
Aaah, no Cairo quente

Cairo
Distante Cairo
Excitante Cairo
Apaixonante

Isto é o Cairo
Distante, Cairo
Excitante, Cairo
Apaixonante

Capitão do mistério
Terra de aventureiros
Já ninguém parece sério
É um local de guerrilheiros

Aaah, tudo é diferente
Aaah, no Cairo quente

Cairo
Distante Cairo
Excitante Cairo
Apaixonante

Isto é o Cairo
Distante, Cairo
Excitante, Cairo
Apaixonante

Ponto de passagem
Cidade internacional
Os espiões vão de viagem
Joga-se o xadrez mundial

Aaah, tudo é diferente
Aaah, no Cairo quente

Isto é o Cairo
Distante, Cairo

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Cânone Ocidental - Transcribe Bentham


O que é a filosofia senão uma comunidade de herdeiros desavindos às voltas com uma pesadíssima herança textual?
É consabido o preconceito de que a tradição analítica sempre concebeu a filosofia como um conjunto de problemas a serem resolvidos, enquanto a tradição continental sempre a concebeu como um conjunto de textos a serem lidos (wrestling with a question or wrestling with a Canon, eis a questão). Mas nem sempre é fácil firmar o cânone e pensar sobre/com ele.

En cinquante ans, L`University College London a retranscrit moins de la moitié des écrits de Jeremy Bentham (1748-1832), le célèbre philosophe et juriste anglais. D`où l`idée des responsables de l`édition des oeuvres de faire appel aux bonnes volontées sur le Net pour déchiffrer l`un des 40 000 manuscrits non publiés qui ont été scannés et mis en ligne. Sans doute «pour assurer les plus grand bonheur pour le plus grand nombre».

Philosophie Magazine