quinta-feira, 15 de março de 2012

Filosofia da caminhada




Caminhar, estar a caminho, é a imagem dilecta e movente da inquietação intelectual no Ocidente. Do ambular peripatético na Stoa aos Caminhos da Floresta de Heidegger, cruzando o ambulare pro deo medievo, caminhar é dar-se tempo e dar tempo ao pensamento. Perante a hodierna fome pandémica de tempo e os paradoxos da aceleração do ritmo de vida – de cada vez que esperamos que as novas tecnologias nos dêem tempo, fazemos a experiência do contrário – caminhar parece ser a lentidão possível.

« As caminhadas longas têm a virtude do esquecimento: esquecidos os frenesins do mundo dito “civilizado”, as ilusões do progresso técnico, as comédias sociais. Caminhar é exactamente dar-se tempo para ir de um lugar a outro. Ou melhor: dar-se o tempo. O dom faz-se acompanhar de uma libertação do espaço. Uma paisagem, se não for reduzida a uma imagem instantânea, a uma olhadela, carece, para ser compreendida, da sua distensão. São os passos do caminhante que distendem a paisagem, como um pergaminho que se desenrola suavemente sem que nenhum canto se dobre e oculte uma letra, um sentido. A caminhada é a experiência de um tempo libertador de espaço, mas também libertador das obrigações sociais – fazer isso - , das injunções de identidade – ser aquilo. Instala uma feliz monotonia que é o contrário do tédio, vazio, opressivo. O tempo das caminhadas tem a plenitude das paisagens abertas.»

Hartmut Rosa


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