Caminhar, estar a caminho, é a imagem dilecta e movente da inquietação intelectual no Ocidente. Do ambular peripatético na
Stoa aos Caminhos da Floresta de Heidegger, cruzando o ambulare pro
deo medievo, caminhar é dar-se tempo e dar tempo ao pensamento. Perante a hodierna fome pandémica de tempo e os paradoxos da aceleração do ritmo de vida – de cada
vez que esperamos que as novas tecnologias nos dêem tempo, fazemos a experiência
do contrário – caminhar parece ser a lentidão possível.
« As caminhadas longas têm a virtude do esquecimento:
esquecidos os frenesins do mundo dito “civilizado”, as ilusões do progresso
técnico, as comédias sociais. Caminhar é exactamente dar-se tempo para ir de um
lugar a outro. Ou melhor: dar-se o tempo. O dom faz-se acompanhar de uma
libertação do espaço. Uma paisagem, se não for reduzida a uma imagem
instantânea, a uma olhadela, carece, para ser compreendida, da sua distensão.
São os passos do caminhante que distendem a paisagem, como um pergaminho que se
desenrola suavemente sem que nenhum canto se dobre e oculte uma letra, um
sentido. A caminhada é a experiência de um tempo libertador de espaço, mas
também libertador das obrigações sociais – fazer isso - , das injunções de
identidade – ser aquilo. Instala uma feliz monotonia que é o contrário do
tédio, vazio, opressivo. O tempo das caminhadas tem a plenitude das paisagens
abertas.»
Hartmut Rosa
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