sexta-feira, 2 de março de 2012

Para que serve a escola?



Decomposto o ideal iluminista do saber é poder - vertido, segundo Peter Sloterdijk, numa judiciosa receita prática pela velha social-democracia -  o que pode, hoje, a escola? Agora que a reconversão entre o viver e o aprender anda no ar e a retórica luzida do sapere aude moderno perdeu a sua energeia emancipatória, parece ser instante reflectir sobre as figuras do impoder na escola actual e perguntar: o que não pode, hoje, a escola? 

A velha social-democracia anunciara o slogan «saber é poder» como uma judiciosa receita prática. Com isso, não pensava muita coisa. Pretendia-se afirmar que uma pessoa devia aprender qualquer coisa como deve ser, para mais tarde vir a melhorar a sua situação. O dito era ditado por uma fé pequeno-burguesa na escola. Essa fé está hoje em decomposição. Só entre os nossos jovens médicos cínicos há uma linha clara que liga o curso ao nível de vida. Quase todos os outros vivem com o risco de aprender em vão. Quem não busca o poder também não quer o seu saber, o seu armamento de saber, e quem recusa ambas as coisas já não é secretamente cidadão desta civilização. Inúmeros são os que já não estão dispostos a acreditar que «começar a aprender qualquer coisa» levará mais tarde a melhorar a sua situação. Neles, creio, cresce um antigo pressentimento que no antigo kynismós era certeza: que uma pessoa tem de começar por ter uma vida melhor para depois poder vir a aprender qualquer coisa razoável. A socialização pela escolarização tal como se desenvolve no nosso país é o embrutecimento a priori, após o qual uma aprendizagem quase não oferece perspectiva de que as coisas hão-de melhorar seja lá como for. A reconversão da relação entre o viver e o aprender anda no ar: o fim da fé na educação, o fim da escolástica europeia. É isso que é de igual modo temível, tanto para os conservadores como para os pragmáticos, tanto para os voyeurs da decadência como para os bem-intencionados. No fundo já ninguém acredita que a aprendizagem de hoje resolve os «problemas» de amanhã; é quase certo, pelo contrário, que os desencadeia.

Peter Sloterdijk - Crítica da Razão Cínica

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