Num dos seus desaforos aforísticos, escreveu Nietzsche sobre
a infelicidade dos homens activos, cujas actividades são sempre um pouco irracionais: Não se pode perguntar ao banqueiro acumulador de dinheiro, por exemplo, pelo objectivo
da sua actividade incessante; ela é irracional. O homem activo, diz Nietzsche,
rola como pedra, conforme a estupidez da mecânica. Pulido Valente, o de acerba língua, é o nosso íncola mestre da suspeita, e aprendeu em Oxford o que Nietzsche já tinha aprendido em
Bonn : Todos os homens se dividem, em todos os tempos e hoje também, em
escravos e livres; pois aquele que não tem dois terços do dia para si é
escravo, não importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou
erudito.
"Tirando
algumas paixões tumultuosas e a geral escassez da fêmea da espécie na região, a
vida de Oxford não podia ser mais doce. Depois do pequeno-almoço, duas horas
calmas com jornais e café, na sala do Colégio. Entre as onze e a uma, cartas,
compras, uma volta pela cidade ou a pura e pacífica contemplação do nada.
Almoço e sesta. Das três às sete, ler ou escrever. Às sete, o bar para o
merecido conforto do álcool, enquanto não se jantava ou não chegava o momento
de seguir para um restaurante decente. Os dias passavam, os meses passavam,
passaram anos, sem um encargo, um compromisso, um dever a cumprir.
Chama-se a isto «ociosidade
criadora», noção clássica inteiramente estranha a gente rústica e pindérica
como os portugueses e sobretudo às classes médias enlouquecidas pelo trabalho
da nova era «liberal». Em Oxford, as minhas ambições académicas, coitadinhas,
acabaram antes de começar, excepto se se entender que o desejo de voltar para
Oxford, como Oxford era em 1968, antes da sra. Thatcher e do dinheiro japonês,
com o propósito de permanecer ocioso e de assegurar os meus cómodos e
confortos, constitui uma ambição académica. Porque essa admito que me apareceu
por volta de 1977 e nunca mais me largou.
Em 1968, a Universidade, de
resto, não estimava os campeões, a não ser os de remo, e desencorajava o zelo e
a competição «científica». Os eruditos, os laboriosos e os prolíficos não
inspiravam qualquer simpatia. As luminárias «teóricas» eram objecto de uma
justa condescendência e nem mesmo o título de «professor», em Oxford honorífico
e aleatório, suscitava o temor reverencial a que normalmente está associado em
países bárbaros. A Universidade preferia a inteligência, a graça, a
extravagância e até a pura preguiça; e no fundo, como Salisbury, execrava o
«mérito» burguês."
Vasco Pulido Valente, Retratos e Auto-Retratos
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