sexta-feira, 11 de maio de 2012

Elogio da "Ociosidade Criadora"



Num dos seus desaforos aforísticos, escreveu Nietzsche sobre a infelicidade dos homens activos, cujas actividades são sempre um pouco irracionais: Não se pode perguntar ao banqueiro acumulador de dinheiro, por exemplo, pelo objectivo da sua actividade incessante; ela é irracional. O homem activo, diz Nietzsche, rola como pedra, conforme a estupidez da mecânica.  Pulido Valente, o de acerba língua, é o nosso íncola mestre da suspeita, e aprendeu em Oxford o que Nietzsche já tinha aprendido em Bonn : Todos os homens se dividem, em todos os tempos e hoje também, em escravos e livres; pois aquele que não tem dois terços do dia para si é escravo, não importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou erudito.

"Tirando algumas paixões tumultuosas e a geral escassez da fêmea da espécie na região, a vida de Oxford não podia ser mais doce. Depois do pequeno-almoço, duas horas calmas com jornais e café, na sala do Colégio. Entre as onze e a uma, cartas, compras, uma volta pela cidade ou a pura e pacífica contemplação do nada. Almoço e sesta. Das três às sete, ler ou escrever. Às sete, o bar para o merecido conforto do álcool, enquanto não se jantava ou não chegava o momento de seguir para um restaurante decente. Os dias passavam, os meses passavam, passaram anos, sem um encargo, um compromisso, um dever a cumprir.

Chama-se a isto «ociosidade criadora», noção clássica inteiramente estranha a gente rústica e pindérica como os portugueses e sobretudo às classes médias enlouquecidas pelo trabalho da nova era «liberal». Em Oxford, as minhas ambições académicas, coitadinhas, acabaram antes de começar, excepto se se entender que o desejo de voltar para Oxford, como Oxford era em  1968, antes da sra. Thatcher e do dinheiro japonês, com o propósito de permanecer ocioso e de assegurar os meus cómodos e confortos, constitui uma ambição académica. Porque essa admito que me apareceu por volta de 1977 e nunca mais me largou.

Em 1968, a Universidade, de resto, não estimava os campeões, a não ser os de remo, e desencorajava o zelo e a competição «científica». Os eruditos, os laboriosos e os prolíficos não inspiravam qualquer simpatia. As luminárias «teóricas» eram objecto de uma justa condescendência e nem mesmo o título de «professor», em Oxford honorífico e aleatório, suscitava o temor reverencial a que normalmente está associado em países bárbaros. A Universidade preferia a inteligência, a graça, a extravagância e até a pura preguiça; e no fundo, como Salisbury, execrava o «mérito» burguês."

Vasco Pulido Valente,  Retratos e Auto-Retratos

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