Quando a
atmosfera é má, escreveu Orwell em Politics
and the English Language, a linguagem não fica indemne: quando há
um hiato entre os nossos verdadeiros objectivos e os objectivos declarados,
voltamo-nos como que instintivamente para as palavras longas e para as
expressões gastas, como um choco a largar tinta.
No seu tempo, escreveu, o discurso e a escrita política
eram em grande medida a defesa do indefensável. Na sua opinião, factos históricos como a continuidade do domínio
britânico na Índia, as purgas e deportações russas, o bombardeamento atómico do
Japão, podiam ser defendidos politicamente, mas apenas com argumentos que eram
demasiado brutais para que a maior parte das pessoas os assumisse, e que não
combinam bem com os objectivos professados pelos partidos políticos. Assim, afirma Orwell, a linguagem
política estaria inçada de eufemismos,
petições de princípio e pura vagueza turva. Vejamos
os exemplos de Orwell.
Povoações indefesas são bombardeadas por aviões, os
habitantes expulsos para o campo, o gado varrido a metralhadora, as cabanas
postas a arder com balas incendiárias: a isto chama-se pacificação. Rouba-se
as quintas a milhões de camponeses que são obrigados a caminhar penosamente
pelas estradas com não mais do que o que conseguem carregar: a isto chama-se transferência
da população ou rectificação das fronteiras. As pessoas são
presas durante anos sem julgamento, ou levam tiros na nuca, ou são enviadas
para morrer de escorbuto em explorações florestais no Árctico: a isto
chama-se eliminação de elementos instáveis.
Estabeleça-se uma analogia prospectiva dos exemplos de
Orwell com a pastosa retórica do ordoliberalismo indígena. Na saúde, os utentes
experimentam a provação da desmesura das taxas moderadoras e a privação de
serviços: a isto chama-se Racionalização na prestação de cuidados. A pretexto
da crise da dívida soberana, elevam-se impostos e mingam-se salários,
depauperando a população a níveis crudelíssimos: a isto chama-se Ajustamento. O governo
intenta empalmar quatro mil milhões de euros em impostos, esbulho de remunerações,
extinção de serviços e despedimentos: a isto chamar-se-á Refundação.
Dirá Orwell que esta fraseologia é necessária quando se
quer dar nome às coisas sem chamar as imagens mentais que lhes correspondem,
mas nós sabemos que a palavra Refundação é a
palavra longa de um choco a largar tinta.
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