De novo Slavoj Žižek. A
Relógio D'Água, que tem vindo a
editar com diligência o filósofo esloveno, publica agora O Ano Em Que Sonhámos Perigosamente. Malgrado este trabalho editorial
extremoso, o meio intelectual português tem sido, genericamente, incurioso em
relação à sua obra. No Expresso,
Henrique Raposo apodou-o, com a habitual soltura opinativa, de Althusser do nosso tempo, e comprazeu-se
nessa espécie de exprobração remissiva. Desidério Murcho, no blog da Crítica, postou sobre Žižek e a política
contemporânea a partir de uma entrevista do pensador esloveno à BBC, e os
automatismos de simplificação analítica revelaram a singeleza símplice dos
simples. Não fosse a escrita avisada de, por exemplo, António Guerreiro, e Žižek
passaria, em Portugal, por ser o filósofo
pop que mistura marxismo com cultura pop e psicanálise, isto é, um
psicobolche seduzido pela cultura popular. Žižek nutre, é claro, um enorme fascínio
pelo cinema e, ultimamente, muitíssimo pela televisão, mas esse fascínio é
muito mais do que um mero encantamento ou mal do olhar, antes a consciência do
seu valor hermenêutico, doador de inteligibilidade ao mundo actual. É quase
como se, di-lo Žižek a propósito da série The Wire,
o Weltgeist hegeliano se tivesse
deslocado, nos últimos tempos, do cinema para as séries de televisão, que, à
semelhança da tragédia grega, fornecem um
tipo de autorrepresentação colectiva de uma cidade e nas quais a polis põe colectivamente em cena a sua
experiência. E que experiência é esta? A experiência fatalista do antigo
destino, agora representado pelo poder latitudinário e anónimo das novas forças do Olimpo: as
instituições pós-modernas, a economia, o mercado. Este último, aliás,
testemunha, escreve-o Žižek, uma nova
forma de prosopopeia em que a coisa que fala é o próprio mercado, agora visto
como uma entidade mítica que reage, alerta, esclarece opiniões, etc., e até
pode exigir sacrifícios como um antigo deus pagão. Por exemplo, de uma
constituição.
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