Lembro-me dele
sacristão, meão, nariz purpúreo e varicoso, caraça larga. De manhã, acolitava à
missa muito pio e tolhido de amor enteu, hinário na ponta da língua, minudente
no lustro das alfaias sagradas e arrumo da sacristia. De tarde, secular, acudia
pelo União Clube E., trocava o turíbulo pelo guarda-chuva com cabo de nogueira
velha, postava-se cinematicamente atrás da linha lateral, sempre no enfiamento da
jogada, e, brandindo o “mata-cães” que rasava o casco do fiscal de linha, vociferava: Ah cão, que te desanco!
Mais tarde, rapazote, ia
aos jogos do campeonato distrital de futebol da Associação de Coimbra -
entidade promotora de um desporto jogado com os pés, mãos e cabeças perdidas,
por duas equipas de onze jogadores, três árbitros e duas hordas -, desandava à
aguada no intervalo e quedava-me por aí até ao fim, sem cuidar de jogo e
resultado, a emborcar minis à compita.
E é por isto que, sem
emparceirar com o Borges que dizia ser o futebol uno de los mayores crímenes de Inglaterra, não posso deixar de
pensar, afora o gosto genuíno da bola, serem muitos e vários os empenhos,
manias e tinetas, que levam o povo do futebol aos estádios: há os adeptos da
fraternidade máscula e do chega pra lá;
há os recordistas das minis, jantaristas e outros atletas da terceira parte; há os
pobres de Deus a quitarem-se à dobadoira verbal domingueira das patroas; há, vá
lá, aqueles que vêem no jogo a quinta- essência da virtude táctico-estratégica
do engenho humano.
Recordo estas estorietas
porque, domingo passado, represo no sopor televisivo-repetitivo da garrafada
para aqui, bastonada para acoli, vejo de repente em picado um guarda – chuva a
altear-se, um grande plano, lobrigo o sacrista Adrião e, lendo a juntura dos
lábios, ouço-o vociferar: Ah cão, que te desanco! Que acode, ainda acode; só
não sei é se acolita.