sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Diário dos Perplexos/Fazer Viver e Deixar Morrer




No Nascimento da Biopolítica, e indagando sobre como a vida é reificada e é erigida em facto político adentro da teoria clássica da soberania, Michel Foucault descreveu como, no século XIX, o poder soberano de fazer morrer e deixar viver se transmudou no poder de fazer viver e deixar morrer: o poder disciplinar, que já em fins do século XVII se centrava no corpo individual (organizando, esquadrinhando, vigiando), possibilitou à biopolítica implantar-se numa outra escala. Tomando a vida como elemento político por excelência, na biopolítica perpassa ainda o antigo poder soberano. Com os investimentos de poder centrados no homem-espécie, a vida passou a ser administrada e regrada pelo Estado. Em nome da protecção das condições de vida da população, preserva-se a vida de uns, enquanto se autoriza a morte de outros tantos. Se o poder soberano já expunha a vida humana individual à morte, ainda que de maneira limitada, o biopoder expõe a vida de populações e grupos inteiros.
Posto isto, e quando em Portugal, de sorrate, se insinua uma política de racionamento dos medicamentos obscura, as declarações do senhor Taro Aso não são uma japonerie. Nada de ilusões: como já afirmara Foucault em La Naissance de la Médicine Sociale (1974), o corpo é uma realidade biopolítica, a medicina é uma estratégia biopolítica, o poder é o poder de fazer viver e deixar morrer.

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