No Nascimento da
Biopolítica, e indagando sobre como a vida é reificada e é erigida em facto político
adentro da teoria clássica da soberania, Michel Foucault descreveu como,
no século XIX, o poder soberano de fazer morrer e deixar viver se transmudou no
poder de fazer viver e deixar morrer: o
poder disciplinar, que já em fins do século XVII se centrava no corpo individual
(organizando, esquadrinhando, vigiando), possibilitou à biopolítica
implantar-se numa outra escala. Tomando a vida como elemento político por
excelência, na biopolítica perpassa ainda o antigo poder soberano. Com os investimentos
de poder centrados no homem-espécie, a vida passou a ser administrada e regrada
pelo Estado. Em nome da protecção das condições de vida da população, preserva-se
a vida de uns, enquanto se autoriza a morte de outros tantos. Se o poder
soberano já expunha a vida humana individual à morte, ainda que de maneira
limitada, o biopoder expõe a vida de populações e grupos inteiros.
Posto isto, e quando em
Portugal, de sorrate, se insinua uma política de racionamento dos medicamentos
obscura, as declarações do senhor Taro Aso não são uma japonerie. Nada de ilusões: como já afirmara Foucault em La Naissance de la Médicine Sociale (1974),
o corpo é uma realidade biopolítica, a medicina é uma estratégia biopolítica, o
poder é o poder de fazer viver e deixar morrer.
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