sexta-feira, 7 de junho de 2013

Políticas da Linguagem/Requalificação


Quando a atmosfera é má, escreveu Orwell em Politics and the English Language, a linguagem não fica indemne: quando há um hiato entre os nossos verdadeiros objectivos e os objectivos declarados, voltamo-nos como que instintivamente para as palavras longas e para as expressões gastas, como um choco a largar tinta.
No seu tempo, escreveu, o discurso e a escrita política eram em grande medida a defesa do indefensável. Na sua opinião, factos históricos como a continuidade do domínio britânico na Índia, as purgas e deportações russas, o bombardeamento atómico do Japão podiam ser defendidos politicamente, mas apenas com argumentos que eram demasiado brutais para que a maior parte das pessoas os assumisse, e que não combinam bem com os objectivos professados pelos partidos políticos. Assim, afirma Orwell, a linguagem política estaria inçada de eufemismos, petições de princípio e pura vagueza turva. Vejamos os exemplos de Orwell:
Povoações indefesas são bombardeadas por aviões, os habitantes expulsos para o campo, o gado varrido a metralhadora, as cabanas postas a arder com balas incendiárias: a isto chama-se pacificação. Rouba-se as quintas a milhões de camponeses que são obrigados a caminhar penosamente pelas estradas com não mais do que o que conseguem carregar: a isto chama-se transferência da população ou rectificação das fronteiras. As pessoas são presas durante anos sem julgamento, ou levam tiros na nuca, ou são enviadas para morrer de escorbuto em explorações florestais no Árctico: a isto chama-se eliminação de elementos instáveis.
Estabeleça-se uma analogia prospectiva dos exemplos de Orwell com a pastosa retórica do ordoliberalismo indígena: na saúde, os utentes experimentam a provação da desmesura das taxas moderadoras e a privação de serviços: a isto chama-se Racionalização na prestação de cuidados; a pretexto da crise da dívida soberana, elevam-se impostos e mingam-se salários, depauperando a população a níveis crudelíssimos: a isto chama-se Ajustamento; o governo intenta empochar quatro mil milhões de euros em impostos, esbulhar remunerações e extinguir serviços: a isto chamar-se-á Refundação. O Ministério da Educação pretende remeter ao inferno do despedimento milhares de professores, depois de os fazer passar pelo purgatório da mobilidade: a isto chamar-se-á Requalificação.
Dirá Orwell que esta fraseologia é necessária quando se quer dar nome às coisas sem chamar as imagens mentais que lhes correspondem, mas nós sabemos que a palavra Requalificação é a palavra longa de um choco a largar tinta.

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