O efeito que a
paternidade pode ter sobre o intelecto de um adulto pode ser, escreveu-o
alguém, absolutamente devastador. Rousseau sabia-o e apressou-se a enviar a sua
prole de bons selvagens para um orfanato a distância prudente. Platão
recomendava que a educação fosse uma responsabilidade pública da Pólis, e os
gregos criaram mil e um expedientes para libertar os adultos da coexistência
pouco filosófica e racional com os juvenis. O pedagogo - escravo incumbido da
penosa missão de levar a criança à escola - é a figura da atemporal servidão a
que as crianças submetem os adultos e para a qual não se prefigura nenhuma
salvífica emancipação (a pedagogia obriga-se hoje a ocupação similar: em vez de
levá-las à escola, tenta mantê-las lá).O que fazer? Cumprir o programa de
ansiedade e angústias, sem apelo nem agravo, e entrar no desvario hiperactivo
da parentalidade quotidiana. Eis o que vos espera: a escola, os tempos livres,
o tempo será insanamente ocupado em actividades com agenda de executivo, para
que nenhum presumido talento deixe de se manifestar em toda a sua glória; a
natação, o ballet, o inglês, a informática, a música transformarão os horários
das crianças e dos pais em horários de executivos workaolics, cheios de rabugens, conflitos, ambições megalómanas,
frustrações, ansiolíticos. A ilusão meritocrática, o alpinismo social e o rankismo agravarão a provação: as
alegrias e tristezas da excelência/mediania escolar serão percepcionadas de
forma desfocada, levando os pais a diagnósticos divertidos sobre os rebentos -
a idiotia ou a genialidade, não raras vezes minudentemente aferida pelo olho
clínico dos Psis. Lutar para que o seu rebento trepe ao cume da pirâmide social
- sem perder o equilíbrio e a sanidade mental - é a tarefa hercúlea dos pais
para quem, não raras vezes, a existência se concentra em fazer do filho(a) um
nababozinho da clínica ou das leis. Não procurem mais. A felicidade existe. Há
quem assevere que a entrevê pelo canudo excelente da meritocracia e do sucesso,
que é hoje a derradeira expressão, neurótica e narcísica, do ideal numa sociedade sem ideais.
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