Acabou. Talvez acabe amanhã ou depois de amanhã. Por enquanto, o Verão amesenda ainda, rubicundo e jovial: vem todo para a boca com o tomate coração de boi, como diria o Daniel Abrunheiro, sobeja ainda no suco das melancias planetárias de Muñoz Molina. Mesmo que acabem as melancias planetárias e o tomate coração de boi, o resto, a literatura, fará sempre do Verão a única estação.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Foucault Para Administradores Hospitalares
Depois da leitura de
notícias como esta, nada de ilusões. Como escreveu Foucault em La Naissance de la Médicine Sociale (1974),
o corpo é uma realidade biopolítica,
a medicina é uma estratégia
biopolítica, o poder já não é o poder de fazer morrer e deixar viver, mas sim,
conversamente, o poder de fazer viver e deixar morrer.
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
O governo é muito bom a garantir a preservação do estado social. Não fosse o caso de, num exercício de quase auto-contradição performativa, ser melhor ainda a destruí-lo, ficaríamos convencidíssimos desse desiderato. A estória não se repete. Um homem laborioso tinha uma mula forçuda
O governo é muito bom a garantir a preservação do estado social. Não fosse o caso de, num exercício de quase auto-contradição performativa, ser melhor ainda a destruí-lo, ficaríamos convencidíssimos desse desiderato.
A estória não se repete. Um homem laborioso tinha uma mula forçuda, mas decidiu que a mula comia demais, e toca de reduzir o a forragem e a muscambilha, mão-ante-mão, dia-ante-dia. A bestiaga foi-se aguentando na jorna árdua até que, volvidos cincos dias após o dono ter cortado de vez o viático, morreu. Perguntou-lhe o compadre pela mula e respondeu-lhe o simples que tinha morrido, ora vejam lá a malandra, agora que não lhe dava despesinha nenhuma. Para acabar e não acabar como Esopo, ho mythos deloí, a estória não mostra uma coisa: a má-fé, a cavilação cínica e merdosa da personagem governo.
A estória não se repete. Um homem laborioso tinha uma mula forçuda, mas decidiu que a mula comia demais, e toca de reduzir o a forragem e a muscambilha, mão-ante-mão, dia-ante-dia. A bestiaga foi-se aguentando na jorna árdua até que, volvidos cincos dias após o dono ter cortado de vez o viático, morreu. Perguntou-lhe o compadre pela mula e respondeu-lhe o simples que tinha morrido, ora vejam lá a malandra, agora que não lhe dava despesinha nenhuma. Para acabar e não acabar como Esopo, ho mythos deloí, a estória não mostra uma coisa: a má-fé, a cavilação cínica e merdosa da personagem governo.
terça-feira, 21 de outubro de 2014
Glossário arcaico/O jornal Folha de S. Paulo, que tem cronistas que dão tratos de polé à língua – e assim é que é -, noticiava recentemente a chegada ao Brasil da rapper com corpão voluptuoso, e os leitores perceberam logo. E mesmo que fosse um corpinho, não deixaria de ser um corpão, desde que fosse voluptuoso. Afinal, e bem vistas as coisas com olho gordo, embora não possamos dizer que o bikini da Jessica Athayde seja o bikini do Millôr...
Na pregressa semana,
foi a palavra gorda que sobrepairou em paro pela blogosfera. Foi, mas, em bom
rigor, não devia ter sido. Teria sido uma semana com mais propriedade se, em
vez do fordo vocábulo gorda, a palavra senha tivesse sido voluptuosa - palavra pretensiosa e acima das minhas possibilidades, mas que casa melhor o
som e o sentido, o sentido e a coisa. Ou então, ideio eu, o vocábulo planturosa,
que não cheira tanto aos sacristas moralistas franceses e tem menor sugestão
erótica.
O jornal Folha de S. Paulo, que tem cronistas
que dão tratos de polé à língua – e assim
é que é -, noticiava recentemente a chegada ao Brasil da rapper com corpão
voluptuoso, e os leitores perceberam logo. E mesmo que fosse um
corpinho, não deixaria de ser um corpão, desde que fosse voluptuoso. Afinal, e bem
vistas as coisas com olho gordo, embora não possamos dizer que o bikini da
Jessica Athayde seja o bikini do Millôr, o bikini que começa de repente e acaba subitamente, isto é, num comenos, talvez
possamos sugerir sem malícia que o bikini da voluptuosa Athayde demora só um pouco
mais.
segunda-feira, 20 de outubro de 2014
Prof./Todos os lugares podem ser prisões se não desejarmos lá estar, dizia Epicteto. E disse tão bem que quando vejo a chusma de malandrins bravios e contumazes permanecer na escola ao abrigo da escolaridade obrigatória, relembro as palavras do filósofo estóico
Todos
os lugares podem ser prisões se não desejarmos lá estar,
dizia Epicteto. E disse tão bem que, quando vejo a chusma de malandrins bravios e contumazes permanecer na escola ao
abrigo da escolaridade obrigatória,
relembro as palavras do filósofo estóico. É claro que não podemos, à guisa do
padre Serrão do Aquilino, despedi-los com o outra
vida, amigo, outra vida! Nesta derrancas-me o sangue, gastas o baguinho a teu
pai e ficas burro como dantes, e resta-nos a virtude prudencial da
paciência e a via-sacra dos códigos e procedimentos disciplinares. Mas aqui é
que a porca torce o rabo. A disciplina fia fino nas escolas, e não se aplica
sanção alguma sem uma via-sacra de procedimentos, formulários, fichas de
reflexão individual e audições confessionais, pictograficamente representadas
num torvelinho de fluxogramas, organogramas e outros bricabraques escolares.
Está visto que os primeiros a serem punidos pela indisciplina do malandrim são o
professor e o director de turma que, já assoberbados pela kafkiana, zelosa e
zelota, burocracia escolar, invocam Santa Rita de Cássia, deitam mãos à obra e,
não raro, cogito eu, mandam por fim às urtigas a tarefa de preparar com rigor
as suas aulas.
domingo, 19 de outubro de 2014
Glossário arcaico/Possidónio
A crer na sexta edição Dicionário Da Língua Portuguesa da Porto
Editora, "possidónio" é também a
designação do político ingénuo e
provinciano que vê a salvação da pátria na redução profunda das despesas
públicas. Num revisionismo semântico inusual, a Porto Editora aboliu este significado nas edições recentes, mas
deixemo-nos de ninhices: da imprensa económica à escolinha laranja do liberal
turn, passando pela blogosfera, o possidónio não é um mero signo linguístico - existe,
anda por aí quando diz e não diz que vai andar por aí, e tem um comportamento ferozmente
adaptativo.
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