Tal como certas personagens que adoramos odiar, Camille
Dalmais inscreveu-se em Sciences-Po, em Paris. Mas rapidamente se apercebeu do
seu tremendo erro, arrepiou caminho e – ao contrário de outros – decidiu reinserir-se
socialmente, optando pela música. Conhecemo-la através dos Nouvelle Vague, esse
divertimento de "easy-listening" chique entregue à missão de
tropicalizar e reconfigurar para o "french-touch" algum reportório
punk e new wave que se punha mais a jeito. Era dela a voz que escutámos a amaciar insolentemente "In A Manner
Of Speaking" (Tuxedomoon), "Guns Of Brixton" (Clash), "Too
Drunk To Fuck" (Dead Kennedys) e "Making Plans For Nigel" (XTC).
Não foi a única pérola a ser gerada no interior da ostra-NV:
devemos-lhe, igualmente, a óptima Phoebe Killdeer (& The Short Straws) de Weather’s
Coming. Camille, entretanto, gravou Le Sac des Filles (2002), Le
Fil (2005) eMusic Hole (2008), etapas preparatórias onde
aqueceu os motores da experimentação vocal e da contenção instrumental – com
tirocínio por peças de Benjamin Britten e presença na banda sonora deRatatouille –
que haveriam de desembocar neste magnífico Ilo Veyou, espécie de
dislexização de “I Love You”. É fácil imaginá-la como uma Björk com os pés um
pouco mais assentes na terra (mesmo que do ponto de vista do marciano que, em
"Mars Is No Fun", prefere abandonar o seu planeta e “wander
all afternoon in the shopping mall of Milton Keynes”), dedicada a
"lullabies" imponderáveis, deliciosas paródias de patrioteirismo-Piaf
(“La
Suisse attire les comptes en banque, les anglais ont un humour exquis, le
Nicaragua produit la cocaïne et la revend au meilleur prix, la France, la
France des photocopies”), pseudo-exotismos minimalistas, bizarrias de
"kindergarten" surreal. Mas Camille é única e irrepetível.
João Lisboa - Provas de contacto