Acabei de ouvir um prêt-à-penser da economia a dizer que os gregos vergarão a cerviz à racionalidade da folha de Excel, e lembrei-me que a excelsa razão da folha de Excel também obra na escola. Depois da ponderação de muitos alinhamentos e desalinhamentos numéricos, pontilhismos digitais vários (números à procura de um guião), e apesar dos cortes previstos de 700 milhões de euros, o melhorismo estatístico grassa e fede a bafio ideológico, levando as escolas e professores a desentranharem-se em abnóxios planos de melhoria, que obedecem sempre à racionalidade excelente da folha de Excel: mais com menos, mais por menos. Enquanto nos outros ministérios sociais - Segurança Social e Saúde - se começa a morrer à míngua, o universo escolar é o universo miraculado da engenharia social possível e da prestidigitação numérica: cabe sempre mais um (aluno), sobra sempre mais um (professor).
sábado, 31 de janeiro de 2015
sábado, 24 de janeiro de 2015
Arrimado a uma citação de Notes Towards a Definition of Culture, o psicobolche e heresiarca Slavoj Žižek reflecte sobre o momentoso dilema europeu
Arrimado a uma citação de Notes Towards a Definition of Culture, o psicobolche e heresiarca Slavoj Žižek reflecte sobre o momentoso dilema europeu: a única escolha possível será entre a descrença e a heresia: a única forma de manter uma religião viva is to perform a sectarian split from its main corpse. This is our position today with regard to Europe: only a new “heresy” (represented at this moment by Syriza), a split from the European Union by Greece, can save what is worth saving in the European legacy: democracy, trust in people, egalitarian solidarity.
E já que a filosofia e a política falam grego, e possuir umas tintas de línguas clássicas ser recomendável , relembre-se que "heresia" deriva do grego αἵρεσις, que significa "escolha", "opção". A democracia.
Estes. Esses que são para o resto da vida como um cartão de visita, e que podem fazer de nós paxás dos cânones ou nababozinhos da clínica.
Estes. Esses que são para o resto da vida como um cartão de visita, e que podem fazer de nós paxás dos cânones ou nababozinhos da clínica.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
O escrevedor-mor do periscópio miópico já lhe chamou o Mário Nogueira do estetoscópio, e a bloga leibniziana, que acha ser este o melhor dos mundos possíveis, agonia-se quando o homem descreve a penúria dos hospitais
O escrevedor-mor do periscópio miópico já lhe chamou o Mário Nogueira do estetoscópio, e a bloga leibniziana, que acha ser este o melhor dos mundos possíveis, agonia-se quando o homem descreve a penúria dos hospitais, a falta de auxiliares, médicos e enfermeiros, lençóis e pijamas, medicamentos e exames auxiliares de diagnóstico (tudo aleivosias torpes e corporativas, segundo eles, mas que se adentram, impressivas, até no olho não clínico do observador honesto), e vocifera quando o bastonário propõe que as administrações permitam à imprensa testemunhar in situ o que se passa. Pois a mim parece-me é que esta maltosa, que já vê o belzebu Mário Nogueira em duplicado, ou vai à privada, paga e não bufa, ou então é utente do Serviço Nominal de Saúde. Por aqui, na pasmosa coimbrinha, as amizades clínicas merecem o muito cuidadoso desvelo do podador de bonsais, e ter na agenda um ou dois nomes de amigos médicos, já se sabe, livra-nos da via crucis dos centros de saúde e do novo e serôdio conceito de urgência médica. E olhem que é grande a livração.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
Prof/Ante a possibilidade de, com a municipalização parcial da educação, as autarquias poderem definir até 25 por cento dos curricula - manteiga em focinho de cão para alguns autarcas -, já estou a ver alguns profs a ensinarem a arte do arranjo floral ou doçaria regional. Mas as vereanças menos paroquiais preferirão o Business Coaching.
Ante a possibilidade de,
com a municipalização parcial da educação, as autarquias poderem definir até 25 por
cento dos curricula - manteiga em
focinho de cão para alguns autarcas -, já estou a ver os profs a ensinarem a arte do arranjo floral
ou doçaria regional. Mas as vereanças menos paroquiais preferirão o Business Coaching.
domingo, 11 de janeiro de 2015
Mas não tenhamos ilusões: como signo de um certo retorno pendular do sagrado, o retorno do sacrílego e do blasfemo é também o retorno da violência religiosa (o sagrado pende entre o êxtase e o furor), porque, como relembra a revista Point citando Leo Strauss, as doutrinas da tradição não foram rebatidas, foram expulsas pelo riso.
Há uma cultura do
ressentimento, larvar e impenitente, nos sincretismos marginais de algumas
religiões: ressentimento contra a secularização das mundividências;
ressentimento contra a laicidade do Estado, da Política e da Cultura (vertida
na lockeana afirmação de que uma igreja é uma societas spontanea, livre e voluntária, à qual não corresponde,
como
na comunidade política, nenhuma necessidade
ou poder coactivo sobre membros e não membros, e que deve dispor como única
arma a prédica e a exortação); ressentimento pela menorização da sua influência
e poder simbólico; ressentimento, enfim, contra o experimentalismo da vida
moderna. Este ressentimento clérigo-obscurantista disseminou-se pelo pensamento
neo-con, nos incontáveis literalistas
bíblicos/corânicos, no filo-criacionismo cientista dos adeptos do Intelligent Design, e deve,
naturalmente, merecer a pronta exprobração de qualquer homem ilustrado. Mas não
tenhamos ilusões: como signo de um certo retorno pendular do sagrado, o retorno do sacrílego e do blasfemo é também o retorno da violência religiosa (o sagrado pende
entre o êxtase e o furor), porque, como relembra a revista Point citando Leo Strauss, as
doutrinas da tradição não foram rebatidas, foram expulsas pelo riso.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
Graças a Deus, todas; graças com Deus, nenhuma. Numa sociedade pluralista não há lugar para o rifão piedoso da minha avó Maria, mas haverá, decerto, para o Charlie Hebdo
Em 2004, num debate
entre o filósofo Jürgen Habermas e o Cardeal Ratzinger, o primeiro advogou que
a compreensão da tolerância nas sociedades pluralistas reclama de crentes e não
crentes o reconhecimento da persistência
indefinida de um dissenso. Um dissenso, escrevemos nós, sem mútuas
reverências, leis da blasfémia ou persignações dialécticas (que mesmo muitos
liberais predicam e praticam), aberto ao exercício racional, à sátira, ao
humor, à eironeía socrática, e àquilo
que, no Viver No Fim dos Tempos,
Slavoj Žižek chama uma crítica desrespeitosa
e não condescendente da religião (e, mutatis
mutandis, da política), isto é, uma crítica desrespeitosa das suas pretensões à posse verdade e à intocabilidade
crítica da sua dogmática.
Graças
a Deus, todas; graças com Deus, nenhuma. Numa sociedade
pluralista não há lugar para o rifão piedoso da minha avó Maria, mas haverá, decerto, para o Charlie Hebdo.
terça-feira, 6 de janeiro de 2015
Releio em Agustina que buscamos viver uma ideia de nós próprios, e esta frase tem o laconismo enigmático de um aforismo de Nietzsche e a miríade de pixels do rosto de Sócrates na televisão. Releio John dos Passos, que queria Paris de um trago como uma ostra, e aqui está a forma mentis, e aí está o rosto a ficar mais nítido e concreto
Perguntado por que
razão nunca se tinha aventurado na ficção, Eduardo Lourenço respondeu, cito de
memória, que lhe faltava o sentido do concreto
que a literatura acolhe. Roth, relembro agora, contrapunha antiteticamente a Literatura,
essa grande particularizadora, à generalizadora Política. Mas a literatura também
é capaz do universal concreto, do
aparte narrativo que interpreta um tropismo
cultural, da personagem que revela uma forma
mentis intersubjectiva. Releio em Agustina que buscamos viver uma ideia de nós próprios, e esta frase tem o
laconismo enigmático de um aforismo de Nietzsche e a miríade de pixels do rosto de Sócrates na
televisão. Releio John dos Passos, que queria Paris de um trago como uma ostra, e aqui está a forma mentis, e aí está o rosto a ficar mais
nítido e concreto.
segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
Lembrem-se do Orwell: jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique
Se uma boa parte dos
jornalistas, por via do caso Sócrates, não se tivesse tornado, súbito, tão
denodadamente cultora do género epistolar, esse dialogo per absentiam, raro vivaz, não raro enfadonho, isto não passaria tão de sorrate pela imprensa. Lembrem-se do Orwell: jornalismo é
publicar aquilo que alguém não quer que se publique.
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