segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Bradley Pearson e o Aconselhamento Filosófico





Bradley Pearson, o escritor-filósofo e narrador do romance O Príncipe Negro – Uma Celebração do Amor, de Iris Murdoch, prefaciou a história de Bradley Pearson. Hoje lembrei-me de Bradley ao ler uma oferta, graciosa, de consultas de aconselhamento filosófico. O anúncio enumera alguns exemplos de problemas que têm conduzido à procura desse serviço:

crises de identidade;
relações interpessoais (familiares, amorosas, no trabalho);
luto ou proximidade com a doença de um ente querido;
dilemas ético-morais;
escolha do percurso académico;
definição do projecto de vida;
sentimento de angústia ou tristeza;
dúvidas existenciais;
falta de motivação;
descontrolo emocional;
ansiedade;
outros

Apesar das ineludíveis ambições filosóficas, Bradley Pearson nunca pensou abrir um consultório de Philosophical counseling na fremente Londres. Mas eu quero alvitrar aqui que o prefácio da sua própria história, a história de Bradley Pearson, em particular um fragmento nele incluso, me parece útil para a feitura de um breve vade mecum para aconselhadores e aconselhados da sageza filosófica. Este extracto deve ser lapidarmente emoldurado e colocado a deslado do balcão da recepcionista, para logo o utente intuir o onde de onde veio, o onde onde está e o onde para onde vai. Ei-lo:

(…) Não tenho religião, excepto a minha tarefa de existir. As religiões convencionais não passam de sonhos. Um milímetro nos separa sempre do horror e do medo. Qualquer homem, mesmo o maior, pode ser destruído a qualquer momento, e não há refúgio possível. Qualquer teoria que negue isto é mentira. No que me diz respeito, não tenho teorias. Verdadeiramente, a política reduz-se ao enxugar as lágrimas e a um interminável combate pela liberdade. Sem liberdade não há arte nem verdade. Reverencio os grandes artistas e os homens que dizem não aos tiranos. 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Prof.


A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante 
Arquíloco

Três com distúrbios de atenção por hiperactividade, dois com défices verbais acentuados na fluência verbal e conhecimento linguístico, dois com Q.I. abaixo da média, dois com défices graves na capacidade de cálculo e raciocínio, três com pais e mães desempregados. Para eles, ao contrário do que acontece ao poeta F. Echevarría, a distracção não é um santo país do conhecimentoNão sabem muitas coisas, como os bons alunos, mas à semelhança do ouriço de Arquíloco sabem uma coisa muito importante: não querem estar ali. A coisa mais difícil para o professor é dar aos alunos o que eles querem, porque os alunos não sabem o que querem, sabem o que não querem.
Uma aula preparada como uma batalha em campo aberto, um derby, uma liturgia: a minudente ocupação dos tempos e dos espaços. O tacticismo pedagógico do estagiário zelota.
Por fim, deixo de saber muitas coisas, como sabe a raposa de Arquíloco, mas fico ciente de uma coisa muito importante. 
Jogar como nunca, perder como sempre.
Como o Sporting. 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Políticas da Linguagem/Refundação





Quando a atmosfera é má, escreveu Orwell em Politics and the English Language, a linguagem não fica indemne: quando há um hiato entre os nossos verdadeiros objectivos e os objectivos declarados, voltamo-nos como que instintivamente para as palavras longas e para as expressões gastas, como um choco a largar tinta.

No seu tempo, escreveu, o discurso e a escrita política eram em grande medida a defesa do indefensável. Na sua opinião, factos históricos como a continuidade do domínio britânico na Índia, as purgas e deportações russas, o bombardeamento atómico do Japão, podiam ser defendidos politicamente, mas apenas com argumentos que eram demasiado brutais para que a maior parte das pessoas os assumisse, e que não combinam bem com os objectivos professados pelos partidos políticos. Assim, afirma Orwell, a linguagem política estaria inçada de eufemismos, petições de princípio e pura vagueza turva. Vejamos os exemplos de Orwell.


Povoações indefesas são bombardeadas por aviões, os habitantes expulsos para o campo, o gado varrido a metralhadora, as cabanas postas a arder com balas incendiárias: a isto chama-se pacificação. Rouba-se as quintas a milhões de camponeses que são obrigados a caminhar penosamente pelas estradas com não mais do que o que conseguem carregar: a isto chama-se transferência da população ou rectificação das fronteiras. As pessoas são presas durante anos sem julgamento, ou levam tiros na nuca, ou são enviadas para morrer de escorbuto em explorações florestais no Árctico: a isto chama-se eliminação de elementos instáveis.

Estabeleça-se uma analogia prospectiva dos exemplos de Orwell com a pastosa retórica do ordoliberalismo indígena. Na saúde, os utentes experimentam a provação da desmesura das taxas moderadoras e a privação de serviços: a isto chama-se Racionalização na prestação de cuidados. A pretexto da crise da dívida soberana, elevam-se impostos e mingam-se salários, depauperando a população a níveis crudelíssimos: a isto chama-se Ajustamento. O governo intenta empalmar quatro mil milhões de euros em impostos, esbulho de remunerações, extinção de serviços e despedimentos: a isto chamar-se-á Refundação.

Dirá Orwell que esta fraseologia é necessária quando se quer dar nome às coisas sem chamar as imagens mentais que lhes correspondem, mas nós sabemos que a palavra Refundação é a palavra longa de um choco a largar tinta.

sábado, 17 de novembro de 2012

Matt Mahuri/Tom Waits


                               Matt Mahurin
                                         Tom Waits

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

É necessário ser justo antes de ser generoso?



David Hume dizia que uma generosidade absoluta e universal dispensaria a justiça ( e justificaria um certo quietismo político-vindicativo), já que lograria produzir os mesmos efeitos que esta produz. Esta parece ser a forma mentis de um certo espírito solidário, que rasura a questão política do dar a cada um o que é dele e lhe é devido, por justiça, mas é prestadia a oferecer o que não é dele e não lhe é devido, por caridade.
O que parece interessante, é que esta forma mentis dos espíritos caritativos revela uma tresleitura do ethos cristão: o exercício da caridade cristã envolve sempre uma perturbação, um pudor e sobressalto moral ( os apelos à discrição na dádiva – quando derdes esmolas, que não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita – são disso exemplo), o que faz com que ela seja sempre um bem menor ao serviço de uma moral provisória, superada por uma outra que saciará os famintos e sedentos de justiça (bem maior). Um verdadeiro cristão pode dar por caridade o que é devido por justiça, mas nunca o fará sem pudor e esperança: o pudor de não haver justiça, a esperança de que ela possa ser feita. Na verdade, o cristão terá de pensar, com Chamfort, que é necessário ser justo antes de ser generoso, como é necessário ter camisa antes de pôr as rendas, e um cristão pragmático ( que suspeite da economia da salvação) não deixará de o ser já.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Dicionário do Mofino 56


Facebook, s.m. A luta vã contra a insignificância, através da qual pretendemos salvar a face e dar-lhe um aspecto decente; a Apresentação do Eu Na Vida Quotidiana (pace, Erwing Goffman!), em edição de luxo, revista e retocada; filosoficamente e à luz de um pensamento dialógico, a apresentação do eu aos outros depois de se ter apresentado a si próprio e não ter ficado íntimo.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

SeX Files/Playboy ou National Geographic?




Žižek escreveu que um dos elementos-chave do nosso fascínio pelo reino animal é representado pelos seus rituais nupciais perfeitamente regulados: os animais não precisam de se preocupar com todas as fantasias e estimulações complexas que o desejo sexual requer porque, escreve Žižek citando Gérard Wajcman, são capazes de uma relação sexual sem história, sem linguagem, sem literatura. O mundo animal do documentarismo natural realizou o sonho humano do sexo sem história nem histórias (sem mythos, diria Aristóteles; sem plot, dirão os narratólogos), e essa pode ser a razão suficiente para pegar no comando, zarpar, passar pelo canal Playboy como cão por vinha vindimada, e abicar ao National Geographic.

sábado, 3 de novembro de 2012

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Internacional Citacionismo/A Very Little History of Philosophy



Depois de A Little History of Philosophy, Nigel Warbuton faz no seu blog, virtual philosopher, um exercício intitulado A Very Little History of Philosophy. A filosofia sempre falou grego e demais, por isso o que se segue não é a logomaquia ateniense, não é o laconismo espartano, é um exercício de micro-historiografia automática.



Socrates: Let’s talk about it.
Plato: Hey caveman, get real!
Aristotle: Eudaimonia or you die moanier.
Epicurus: Death? Not my problem.
Descartes: You’re not dreaming.
Spinoza: I’m not into bondage.
Locke: You look blank.
Berkeley: Ideaology
Hume: You’re a natural.
Rousseau: Chain reaction.
Burke: You say you want a revolution…
Kant: Cool shades, but you can’t take them off.
Hegel: Synthetic fabric.
Bentham: Harmless fun.
Mill: Don’t be a pig.
Marx: Glory, glory, man united!
Kierkegaard: Jump!
Peirce: An icon
(Husserl)
Frege: What are you referring to?
Russell: What do you mean there’s no king of France?
Wittgenstein: I’m not going to tell you.
Ayer: Logical positivism – hooray!
Popper: Unconvince me.
Sartre: Don’t wait!
Camus: It’s only rock and roll but I like it.
Rawls: Justice for reasonable people.
Rand: Justice for nutters.
Foot: Track changes.
Kuhn: Can you believe this shift?
Derrida
Singer: Good bye pork pie.
Zizek:
Sandel: You sold what?

Nigel Warburton, virtual philosopher