quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Prof.


Projecto de Educação Sexual. O desafio da educação sexual nas escolas: como falar de sexo sem falar de sexo? O desafecto discente pelos longuíssimos preliminares do discurso dos afectos e da reprodução: já ouvimos esse paleio vinte vezes!, diz fulano; é sempre a mesma coisa!, assente sicrano; e o resto?, remoe beltrano. O resto pode ser literatura.

Ms. Amante é professora de Biologia. Ms. Amante diz que os humanos gostam de fingir que a biologia não se aplica a eles.
As suas unhas são do mesmo vermelho que o batôn. Tem ancas largas.
Tanto trabalho para criar laços, e o resultado? Trinta por cento das crias num dado ninho são prole de outro macho, e não são as mães-pássaro as únicas a portar-se mal. As fêmeas do coelho, do alce e do esquilo também petiscam às escondidas, e não apenas com o sexo oposto.
Ms. Amante é casada. Nunca fala do marido.
Há uma hormona chamada oxitocina que inspira a vontade de abraçar. E não só. A fêmea de um rato em ovulação que receba uma dose suplementar de oxitocina esforça-se muito mais para que os machos a montem. Enquanto nos informa disto, Ms. Amante enuncia as palavras. A sua boca faz um O quando diz "montem".
O capítulo das plantas vasculares parece ser quase todo sobre flores. O macho da vespa vê a fêmea dos seus sonhos e copula com ela. Depois vê a irmã - ainda melhor! - e repete a dose. Na realidade, são duas orquídeas. As flores enganaram-no duas vezes. Foi usado, descartado e obrigado a regressar a casa sozinho. E os estudantes perguntam, Será que ele quer saber? Oficialmente, esta especulação não faz parte do currículo. Ms.Amante não responde.
A antera polinífera. O pistilo pegajoso. Quando Ms. Amante os descreve, todos os alunos, rapazes e raparigas, querem aprender mais, mais, mais.»

                                                                                 Pequenos Mistérios - Bruce Holland Rogers

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

No Future



No número de Fevereiro da revista Philosophie, Michaël Foessel, autor do Après La Fin Du Monde : Critique De La Raison Apocalyptique, em diálogo com o prémio Goncourt 2012, Jérôme Ferrari, expende algumas razões explicativas do milenarismo e catastrofismo contemporâneos. Para além das razões que devêm da perda de influência do Ocidente nos planos económico, político, ideológico - como se o fim de um mundo em que o Ocidente é o Alfa e o Omega devesse coincidir com o fim do mundo – e das razões que relevam do aquecimento global, do nuclear e da limitação dos recursos naturais – que transmudaram a profecia religiosa do fim do mundo num prognóstico racional -, Michaël Foessel refere também razões sociológicas. Glosando o Pierre Bourdieu das Méditations Pascaliennesas desigualdades não são só sociais, mas temporais e simbólicas -, Foessel afirma que a possibilidade de saber como será o amanhã, isto é, de organizar e de planificar a sua vida a médio e a longo prazo, está cada vez mais reservada às elites. Privados de prospectiva, os desmunidos, os desempregados, os trabalhadores precários vivem num horizonte temporal de meses, semanas, dias, e, incapazes de se projectarem no futuro, consideram que toda a sociedade se encontra à beira do abismo.
Na Inglaterra da década de setenta o jovem Martin Amis escrevia  everything seemed ready for the terminal lurch e os Sex Pistols cantavam no future. Andamos a morrer há demasiado tempo.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Internacional Citacionismo/Millôr


Poeminha Tentando Justificar Minha Incultura

Ler na cama
É uma difícil operação
Me viro e reviro
E não encontro posição
Mas se, afinal,
Consigo um cómodo abandono,
Pego no sono.

Millôr Fernandes

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Deus é Humor



Em 2004, num debate entre o filósofo Jürgen Habermas e o Cardeal Ratzinger, o primeiro advogou que a compreensão da tolerância nas sociedades pluralistas reclama de crentes e não crentes o reconhecimento da persistência indefinida de um dissenso. Um dissenso, escrevemos nós, sem mútuas reverências, leis da blasfémia ou persignações dialécticas (que mesmo muitos liberais predicam e praticam), aberto ao exercício racional, ao humor, à eironeía socrática, e àquilo que, no Viver No Fim dos Tempos, Slavoj Žižek chama uma crítica desrespeitosa e não condescendente da religião (e, mutatis mutandis, da política), isto é, uma crítica desrespeitosa das suas pretensões de verdade e natureza sagrada.
Graças a Deus, todas; graças com Deus, nenhuma. Numa sociedade pluralista não há lugar para o rifão piedoso da minha avó Maria.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Prof.


Projecto Curricular de Turma (PCT), Projecto Curricular de Escola (PCE), Projecto de Educação Sexual (PES), Plano de Recuperação de Aprendizagens (PRA), Plano Anual de Actividades (PAA), Programa de Acção de Educação Especial (PAES), Projecto Educativo de Escola (PEE), Projecto Educativo Individual (PEI), Programa Específico de Recuperação de Escolaridade (PERE), Plano Individual (PI), Plano de Intervenção e Apoio à Família (PIAF), Plano Individual de Trabalho (PIT), Programa de Ocupação dos Tempos Escolares (POTE), Plano de Prevenção de Insucesso e Abandono Escolar (PPIAE), Programa Formativo de Integração de Jovens (PFIJ)…
As Luzes de Leonor, Maria Teresa Horta, literatura, 1000 páginas.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Dicionário Do Mofino 59


Papa, s.m . Líder supremo da religião católica que, pretextando representar singelamente Cristo, acaba como o deputado da nação a representar-se a si próprio com grande estadão e espavento; o único caso conhecido em que o representado não critica o representante nem pagará as despesas de representação para o representante se representar a si próprio; dignitário religioso que, preservado da possibilidade do erro e falando ex cathedra a partir da cadeira de S. Pedro, logra sobrepujar a infalibilidade do presidente Cavaco Silva, que fala ex auctoritate propria a partir da cadeira de Belém, nunca tem dúvidas e raramente se engana.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Prof.


Alhures, uma escola do norte, famílias desestruturadas, inaptas (tradução do idiolecto: pobres, miseráveis, ignaras), alunos com algumas especificidades em termos de comportamento (tradução do idiolecto: mal-educados, violentos, pré-delinquentes), um aluno enfuriado, um pequeno intermezzo de violência: colega e professor agredido, um vigilante cardíaco morto na tentativa de suster o irreparável, um vereador da educação opinioso a pipilar  que a agressão ao elemento da direcção foi desagradável.
Tudo isto é ordem do irreparável, e o irreparável, diria Agamben, é que as coisas sejam assim como elas são, dessa maneira ou de uma outra, entregues sem remédio à sua maneira de ser. É irreparável o facto da família ser inapta, o comportamento, o coração irreparável, o paleio adoçado do camarista.
Reuniões intercalares: ponto único: reparar o irreparável.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Prof.


 A ideia de que se possa ensinar sem dificuldade releva de uma representação etérea do aluno. Parece ser verdade. Parece também ser verdade que a sageza pedagógica deva representar o cábula como o aluno mais comum que existe, porque é ele que justifica plenamente a função do professor e é com ele que temos tudo a aprender, a começar pela necessidade mesma de aprender. Mutatis mutandis, caro Daniel Pennac, a ideia de que se possa aprender sem dificuldade releva de uma representação etérea do professor. E parecerá também ser verdade que a sageza pedagógica deva representar o bom aluno como o aluno menos comum que existe, porque é ele que justifica plenamente a função do professor e é com ele que temos tudo a aprender, a começar pela necessidade mesma de aprender. 
A sabedoria pedagógica está pejada destes paralogismos, e por isso o seu estatuto epistemológico é o de um humílimo saber prudencial. Digamo-lo com descaro: as Ciências da Educação são Bad Science. Digamo-lo sem rebuço: as Ciências da Educação são Ciência da Treta.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Deus é Neutro



Nas Escrituras, no grego e no hebraico, Deus é linguisticamente masculino, mas Kristina Schröder, Ministra da Família e da Juventude alemã, propôs aos alemães a neutralização ontológica, gramatical e sexual da divindade. Assim, em vez do artigo masculino der (der Gott) propõe o neutro das (das Gott), suscitando uma enquistada reacção sobre a Teologias Feministas e o politicamente correcto, aplicado à tradução e recepção das escrituras sagradas (questão renitente e pendular, pois já em 2006 fora publicada na Alemanha a Bibel in gerechter Sprache - qualquer coisa como Bíblia em Linguagem mais Justa – em que as questões do género estiveram omnipresentes).
É verdade que, no livro de Isaías, Deus quase se efemina - mas agora grito, como mulher nas dores do parto (43:14) -, mas, a crer em Joseph Ratzinger, a imagem do pai era e é adequada para exprimir a alteridade entre Criador e criatura, a soberania do acto criador. Somente por meio da exclusão das divindades maternas podia o Antigo Testamento levar à maturidade a sua imagem de Deus, a pura transcendência de Deus.
A questão é: assim neutralizado, continuará a sua história a ser um caso de ventura narrativa?
Desde o Anjo Azul que sabemos que os anjos são feminis e, portanto, a vexata quaestio sobre o sexo dos anjos volveu-se, num comenos, na questão sobre o género de Deus. Mas, cá para mim, Kristina Schröder tem cara de anjo mau.