A Questão Judaica é uma
questão tão provecta como o povo Judeu. Já A Questão Finkler é tão ancestral
como o povo Judeu, mas tem também a idade de Samuel Finkler, uma das
personagens Rothianas do romance de Howard Jacobson. Quem é Samuel Finkler?
Finkler é um filósofo inglês, judeu, que, segundo o seu amigo Julian Treslove,
encarna a forma mentis da natureza do povo eleito, levando-o a usar
onomasticamente o nome Finkler para se referir a todos os judeus e a tudo o que
presume judaico. Finkler estudou Filosofia e Ética em Oxford, ganha
visibilidade com livros de self-help philosophy com títulos tão risíveis como O
existencialista na Cozinha, O Guia Resumido do Estoicismo Doméstico, e
protagoniza programas de televisão onde mostra como Schopenhauer pode ajudar as pessoas
na sua vida amorosa, Hegel na planificação das férias e Wittgenstein a decorar
códigos pin.
Com merecimento, a
self-help philosophy já tem existência literária e o seu filósofo dilecto -
Samuel Finkler, e na verdade, de cada vez que deito o olho às estantes de
filosofia da FNAC e me deparo com títulos como Aristóteles Para Executivos ou
Nietzsche Para Estressados, lembro-me do autor do Guia Resumido do Estoicismo
Doméstico, livro que nunca foi escrito mas não deve tardar, porque, como
escreveu Leibniz, o possível exige existir, sobretudo agora, que o real está
impossível.segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
sábado, 28 de dezembro de 2013
Diário dos perplexos/O ministro do tempo
Há um par de anos,
perguntaram ao filósofo Paul Virilio o que faria se fosse presidente da
república. Criaria um ministério do tempo, respondeu: do tempo que passa, horológico;
do tempo em que se faz, próprio da duração das actividades humanas; do tempo
que faz, isto é, do clima.
Segundo Virilio, até hoje a política ocupou-se
sobretudo do espaço, da organização dos territórios, dos traçados das
fronteiras. A política foi sobretudo geopolítica. Ora, dizia-nos Virilio, o
aquecimento climático e a aceleração da história – que leva os governos a
reagir em tempo real, dando a impressão de agitação e impotência e fazendo
entrar a nossa civilização numa fase de obsolescência e senilidade – deveriam
compelir-nos a pensar em termos de cronopolítica e de meteopolítica. Ora, tudo
isto nada tem a ver com o ministro que resolveu colocar
na sede do seu partido um relógio que conta de forma decrescente o tempo que
falta até a troika se ir oficialmente embora, e que é, pois claro, mais da
ordem do ciceroniano o tempora o mores.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Diário dos perplexos/ "o passeio do bêbado" ou como usar a estatística e o Vasco Santana na análise do desemprego ou...
Disraeli dizia que
havia três tipos de mentiras: as
mentiras, as mentiras danadas e as estatísticas. Por cá minga o esprit de finesse, e só há mesmo mentiras,
que são ostensiva e tautologicamente mentirosas. O meu estupor já não nasce do
useiro e vezeiro facto das estatísticas serem usadas como um ébrio usa um poste
de iluminação – para apoio e não para obter luz -, o estupor advém agora da
natureza da trampolinice que, de tão pueril e curta perna, já não anda –
passinha, passinha...
terça-feira, 24 de dezembro de 2013
That Was The Worst Christmas Ever!/Música sobre o Natal, para o Natal, para gostar do Natal, para detestar o Natal...
Do homem que um dia
quis gravar um álbum para cada um dos cinquenta estados americanos (50 states
project) e gravou 5 ep's de música de Natal, antiga e original, eis That Was
The Worst Christmas Ever! Música sobre o Natal, para o Natal, para
gostar do Natal, para detestar o Natal, mas nunca, nunca,
valha-nos o génio de Sufjan Stevens, música de Natal.
domingo, 22 de dezembro de 2013
Dicionário do Mofino/13
Natal,
s.m.
Aniversário ímpar em que não faz sentido assediar o aniversariante com votos de
longevidade (e que terá levado o apologeta cristão Arnobius a ridicularizar a
ideia pagã de celebrar o aniversário dos deuses); trégua nas desavenças
familiares, para que possam ser retomadas no dia seguinte com redobrada fereza;
período em que o homem descobre a sua humanidade em copiosíssimas ingestões e
contritas indigestões; dia em que descobrimos que a fonte e a raiz de todo o bem
é o prazer do ventre; época na qual a felicidade se eleva à exaltação e
estatela na depressão; altura do ano em que entreabrimos os corações, abrimos a
bolsas e escancaramos as portas à gula da parentela.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Prof./Outra vida, amigo, outra vida! Nesta derrancas-me o sangue...
Fim de período. Relembrar
o mestre Aquilino. No Cinco Reis de Gente, com a mestria useira e vezeira,
Aquilino apresenta-nos o Padre Serrão, mestraço de latinidades e propedeuta dos
filhos de labregos ricos que não sabiam o
que fazer ao dinheiro e agradava à sua prosápia ter um filho tonsurado. De
ordinário, escreve Aquilino, e como estes efebos, ásperos e bravios,
toscanejassem de tédio a silabar o rosário das declinações, o padre Serrão
despedia-os com este remoque terminativo: Outra
vida, amigo, outra vida! Nesta derrancas-me o sangue, gastas o baguinho a teu
pai e ficas burro como dantes.
Volvido um século de Psicologias e Pedagogias várias, novéis e diferenciais, o remoque do Padre Serrão devia continuar a ser um começo de vida. Não é. E vão 20 planos de recuperação.
Volvido um século de Psicologias e Pedagogias várias, novéis e diferenciais, o remoque do Padre Serrão devia continuar a ser um começo de vida. Não é. E vão 20 planos de recuperação.
domingo, 15 de dezembro de 2013
Is love a social construct?
Só os Pet Shop Boys o
poderiam ter feito. Misturar, em delírio mixológico, elementos de uma peça de
Michael Nyman (que já remetia para a música de Purcell) com a Sociologia das
Emoções é obra. É isto a aventura da Pop! É isto a canção pop transmudada em
pequeno ensaio sociológico. É isto Love
Is A Bourgeois Construct? Alguns acham que sim.
While the
bankers all get their bonuses
I'll just get
along with what I've got
Watching the
weeds in the garden
Putting my feet
up a lot
I'll explore the
outer limits of boredom
moaning
periodically
Just a
full-time, lonely layabout
that's me
When you walked
out you did me a favour
It's absolutely
clear to me
that love is a
bourgeois construct
just like they
said at university
I'll be taking
my time for a long time
with all the
schadenfreude it's cost
calculating what
you've lost
Now I'm digging
through my student paperbacks
Flicking through
Karl Marx again
Searching for
the soul of England
Drinking tea
like Tony Benn
Love is just a
bourgeois construct
so I'm giving up
the bourgeoisie
until you come
back to me
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
Diário dos Perplexos/Não será gastar cera com ruim defunto, mas…
Nada de hagiografias e
apólogos simplistas. Um santo, di-lo Bierce, é um pecador morto, revisto e
corrigido, sendo que um pecador vivo é um quase beato, bastando para tal
morrer, vestir-lhe o fato, esticá-lo inteiro e chamar o defunteiro.
Fazer a guerra quando não
se pode ter a paz, fazer a paz quando não se pode ter a guerra, sempre foi
humano, demasiado humano. Nem sempre é fácil fazê-lo bem, e é por isso que
faz sentido gastar cera com tamanho defunto. Mas, em verdade vos
digo, apesar de não ser dos do Maniqueu, não foi fácil conter os engulhos quando vi alguns
líderes nas cerimónias, presença que comprova, aliás, que o odor de santidade continua a
açodar muita gentalha.
domingo, 8 de dezembro de 2013
Obama & Raquel Varela e as self-fulfilling prophecies
Enquanto alguns
economistas vaticinam a morte do sistema actual de segurança social, fazem a
apologia da self help e clamam que só
uma minoria de desvalidos, os deserving poors, merece apoio, outros, adeptos
das mertonianas self-fulfilling prophecies, não
querem deixar a profecia depender da casuística e estão empenhados, segundo Bourdieu,
em fazer da insegurança social um
princípio positivo de organização colectiva, capaz de produzir agentes
económicos mais eficazes e produtivos.
Recentemente, o
presidente Obama pôs-se a fazer umas contas sobre a falta de mobilidade social
e a crescente desigualdade no seu país, ilustrando este facto com a seguinte
intervenção: Desde 1979, quando terminei
o liceu, a produtividade da economia americana subiu mais de 90%, mas os
rendimentos da família típica americana aumentaram menos de 8%. E continuou: No
passado, o salário do director de uma empresa era 20 ou trinta vezes o de um
trabalhador médio, hoje é 273 vezes mais. Ora aí estão dois factores a
ponderar pelos áugures da insustentabilidade da segurança social, que têm
propalado a tese do catastrofismo demográfico. Depois disto, a tese que afirma
que a chave da sustentabilidade da
segurança social está na riqueza produzida e nas relações laborais e não no
actual quadro demográfico não será tão risível. Depois disto, até a negregada
Raquel Varela pode citar Obama.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
Oração pela privatização dos CTT (Pace, Saramago!)
Marx afirmou que a
propriedade privada nos tornou tão estúpidos e limitados, que um objecto só é
nosso quando o possuímos, o que o terá levado a partilhar fraternalmente a fortuna de
Engels. Proudhon, frasista compulsivo, proclamou
que a propriedade é um roubo, depois de ter plagiado a proclamação. Já para os catecúmenos liberais – mesmo para
aqueles que passinham os primeiros passos na passeadeira da alta política – as
privatizações são um arroubo de redenção económica, e o friso dos economistas
coristas, secretários de estado e ministros, apodíctico, assevera que é necessário
retirar o Estado dos negócios. Mas, entre-dentes, o rapazio resmoneia:
Ai os malandrins ronhosos! Ai que a política para eles é a continuação dos negócios por outros meios! Ai os manhosos, que sempre, em
rapina, sobrepairaram sobre o público e o privado! Ai, tomai atenção, pois, à vidinha
vindoura desta matulagem, já que um ministro não é senão um político
em trânsito entre um conselho de administração e outro conselho de administração!
Para eles, os malandrins ronhosos, mais uma
vez, a saramaguiana oração exprobatória.
Oração pelas
Privatizações
«Privatize-se tudo,
privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça
e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for
diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto
privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração
deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a
salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a
todos.»
José Saramago –
Cadernos de Lanzarote - Diário
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
Prof. Quadros de Excelência/Quadros de Decepção
Cioran escreveu que a
única coisa que deveríamos ensinar aos jovens é que não há nada, digamos quase
nada, a esperar da vida. Imagine-se um Quadro das Decepções onde constariam as
desilusões reservadas a cada um de nós, e que seria afixado nas escolas. Parece-me boa ideia. Há
demasiados Quadros de Honra e de Excelência.
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