Ano
Novo, s.m. Período de tempo que começa bem, com efusões, libações, promessas, votos, e depois de 364 dias de tédio acaba melhor com mais libações,
promessas e votos; os vindouros 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12
segundos de inveja própria e prosperidade alheia; Bierce definia o ano como um período de trezentas e sessenta e
cinco decepções; daqui se cogita ser o Ano Novo um período de trezentas e
sessenta e cinco velhas decepções; entra, pendularmente votivo, com juras de
virtude dietética – fim do fumo, da beberrice e da comilança –, acaba,
pendularmente luculiano, com ameaços de enfartamento e síndrome de intoxicação
etílica; o velho, maquilhado como
uma balzaquiana fanada.
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
sábado, 29 de dezembro de 2012
Henri, le chat noir/ O Existencialismo não é um Humanismo
A revista Visão apresentou-o à gataria filosófica
portuguesa: É preto. Não toca piano. Fala francês com sotaque americano. Mas nós sabemos mais. Passeou-se
felinamente por lucarnas e águas-furtadas de Saint-Germain-des-Prés e terá, no Tabou, ouvido o ron ron filosofante de Sartre e Camus e as canções
de Juliette Gréco. Politicamente, é um Realista Depressivo; filosoficamente, um Existencialista Animalista, isto é, alguém para quem o Existencialismo não é um Humanismo e que combina a glosa dos topoi
conceptuais deste movimento filosófico (o absurdo, a angústia, a liberdade, o tédio, a
náusea) com a acerada crítica especista do sapiens
sapiens. Felis silvestris catus,
como Garfield, não professa, porém, as suas simpatias filosóficas para com a
escola canídea dos cínicos, com a qual mantém, aliás, uma mordaz disputa
intelectual. Le voilá: Henri, le chat
noir.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Musicofilias/Sufjan Stevens - Put the Lights on the Tree
O homem que queria
gravar um álbum para cada um dos cinquenta estados americanos (50 states
project) e gravou 5 ep's de música de Natal, antiga e original, volta a
deixar-nos em estupor admirativo. Depois do brilhante Age of Adz, Sufjan
Stevens reincidiu e volta a dar-nos música sobre o Natal, para o Natal, para
gostar do Natal, para detestar o Natal, mas nunca, nunca, valha-nos o génio de
Sufjan Stevens, música de Natal. Cinco ep's, 58 faixas. Tomai e ouvi todos,
este é o Sufjan Stevens.
Dicionário Do Mofino 13
Natal, s.m. Aniversário
ímpar em que não faz sentido assediar o aniversariante com votos de longevidade
(e que terá levado o apologeta cristão Arnobius a ridicularizar a ideia pagã de
celebrar o aniversário dos deuses); trégua nas desavenças familiares para que
possam ser retomadas no dia seguinte com redobrada fereza; período em que o
homem descobre a sua Humanidade em copiosíssimas ingestões e contritas
indigestões; dia em que descobrimos que a fonte e a raiz de todo o Bem é o
prazer do ventre; época na qual a felicidade se eleva à exaltação e estatela na
depressão; altura do ano em que entreabrimos os corações, abrimos a bolsas e
escancaramos as portas à gula da parentela.
domingo, 23 de dezembro de 2012
Dicionário Do Mofino 57
Caridade, s.f. virtude teologal fundada no apotgema que
diz haver maior felicidade em dar do que em receber - useiramente negado por quem tem de receber. O espírito sedicioso crê que a caridade
atrasa a revolução e futura a felicidade maior para todos, o que, logicamente, acabaria com ela.
sábado, 22 de dezembro de 2012
Diário dos Perplexos/Deus Aprendeu Bom Grego?
A propósito da
bizantina e católica questão de saber se, aquando da natividade, havia ou não
gado vacum e asinino no presépio, foram já arredadas todas as dúvidas: não havia. Podem
embezerrar alguns, asneirar outros, mas não senhor, não havia, e di-lo ex cathedra quem é infalível, o Papa, em
livro recente sobre Jesus Cristo. Sobre esta ninhice hermenêutica das Escrituras
estamos conversados, mas Bento XVI não se queda por aqui: não só o burro e a
vaca não estavam no presépio como a virgindade da mãe de Jesus Cristo é uma verdade inequívoca da fé. Ora, hoc opus, hic labor est ou, em tradução
libertária da minha avó Maria, aqui é que a
porca torce o rabo. E torce porquê? Porque se sobre as alimárias é fácil
encontrar a corroboração testamentária, sobre a virgindade de Maria a coisa pia
mais fino. Há uma disputação linguística perene sobre as palavras que o
hebraico e o grego usaram para se referirem à mãe do Messias. Recentemente, o
teólogo José Tolentino de Mendonça, a propósito de um livro cometido por José
Rodrigues dos Santos, veio reafirmar o que já era consabido: nas profecias de Isaías escritas em hebraico
a palavra que este usou para se referir à mãe do Messias foi “mulher jovem”,
almah, e não virgem. Na tradução para grego, o autor enganou-se neste versículo
e em vez de “mulher jovem” a palavra que usou foi parthénos, ou seja,” virgem”.
O problema é que o lapsus calami do
autor induz mil interpretações, que fazem deste engano uma interminável disputa
exegético-teológica. É claro que Nietzsche, mofino, resolveria o assunto de
outro modo e perguntaria: mas quem é que
mandou o autor, deus, usar uma língua que não aprendeu bem?
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Prof.
Avaliação final. Treze
alunos. Seis com três classificações negativas, dois com quatro classificações
negativas, dois com seis classificações negativas, dois com sete classificações
negativas, um com nove classificações negativas.
Linhas de faltas a formigar
na pauta.
A demagogia prometeica
e delusória do voluntarismo pedagógico: Planos de Diferenciação, Actividades de
Recuperação de Aprendizagens, Planos Individuais de Trabalho.
A escola como o
único lugar no qual se acredita ser possível o possível impor-se ao real. A
escola como o impossível lugar da enérgeia da utopia, inversamente proporcional ao quietismo
do conformismo social e económico - não
viver acima das suas possibilidades, não desejar acima das suas possibilidades,
não ser acima das suas possibilidades.
No dia três de Janeiro,
um incréu abrirá a porta da sala dois e recitará em surdina: concede-me serenidade
para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar aquelas que posso e lucidez para reconhecer a diferença.
Depois é o sumário.
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Diário dos Perplexos/Adam Lanza
Di-lo Walter Benjamin
no ensaio Para uma Crítica da Violência.
O grande criminoso suscita admiração e estupor no povo, por mais facinorosos que sejam os seus móbeis.
Isto deve-se não ao acto, mas sim à violência de que esse acto dá testemunho.
Mas de que violência dá
testemunho um acto de violência sem sentido? No Gente do Milénio, Ballard assesta a sua visão panóptica sobre a
irrealidade contemporânea e uma personagem diz:
- O Richard diz que as pessoas que acham que o
mundo não tem significado encontram significado na violência sem sentido.
E remata:
-
Mas um acto de violência verdadeiramente sem sentido, disparar ao acaso em cima
de uma multidão, prende a nossa atenção durante meses. A ausência de motivo
racional carrega em si um significado próprio.
domingo, 16 de dezembro de 2012
Diário dos Perplexos/“Too soon to speak out about a gun-crazy nation? No, too late.”
Em 2003, a convite da revista The Atlantic Monthly, Bernard-Henri Lévy refez a viagem de Alexis
de Tocqueville na América, de que resultou o road book American Vertigo - inçado, aliás, dos estereótipos useiros
e vezeiros: Freaks, Fatties, Fanatics.
Em Fort Worth Bernard-Henri Lévy visita um
gun show e tem uma visão perturbadora: jovens, velhos, famílias, apreciam e
compram armas variegadas, modernas e antigas.
Algumas horas depois da tragédia de Newtown , o
documentarista Michael Moore twittou: “Too soon to speak out about a gun-crazy nation? No, too late.”
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Diário dos perplexos/@Pontifex
Achtung, @Pontifex! Olhai o La Boétie:
Uma só coisa ele tem mais do que vós e é o
poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes.
Onde iria ele buscar os olhos com que
vos espia se vós não lhos désseis?
Discours
de la Servitude Volontaire
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Diário dos Perplexos/Luta de Classes
Ao cuidado de Isabel Jonet, que antepõe a caridade à justiça, pois jamais perceberá
que é necessário ser justo antes de ser generoso, e ignora que um verdadeiro cristão
pode dar por caridade o que é devido por justiça, mas nunca o fará sem pudor e
esperança: o pudor de não haver justiça, a esperança de que ela possa ser
feita.
Diário dos Perplexos/Folk Sociology
Quando Isabel Jonet se adentra pela Folk Sociology, até os seus
indefectíveis se quedam em estupor pânico: ora são os imigrantes que não têm vontade de trabalhar, porque vêm a fugir da
guerra nos seus países; ora são os
gregos que adoram discutir e dificilmente conseguem chegar a uma solução;
ora são os alemães, que são mais práticos
e cumprem as decisões; ora a
solidariedade tem a ver com direitos adquiridos; ora a caridade é melhor do que a
solidariedade, porque nos permite ir um a um. Ninguém aguenta tanto esprit
de finesse.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Da Servidão Voluntária
A rede social Facebook ultrapassou mil milhões de
utilizadores. Uma rede que, tomando de empréstimo, desabusadamente, o título de um livro famoso
de Erving Goffman, induz uma espécie de apresentação
do eu na vida quotidiana em que o aparecer expressivo de cada persona coloca as momentosas questões
sobre o respeito da vida privada e o uso e abuso dos dados pessoais.
A revista
Philosophie de Outubro invoca a sageza suspicaz do Discours de la Servitude Volontaire e coloca La Boétie a
interpelar esse universo multitudinário:
Esse que tanto vos humilha tem só
dois olhos e duas mãos, tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre
os ínfimos habitantes das vossas cidades não possua também; uma só coisa ele
tem mais do que vós e é o poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes.
Onde iria ele buscar os olhos com que vos espia se vós não lhos désseis?
sábado, 8 de dezembro de 2012
15 minutos
Pratos destradicionalizados,
descontextualizados, world fusion, que
combinam produtos e sabores à margem das tradições e atavismos papilares. Pratos
extravagantes, surpreendentes, fantasiosos, que transformam a manducação em
diversão e que os anglo-saxónicos nomeiam sapidamente como eatertainment. Receitas equilibradas,
nutritivas, criativas, informais e divertidas, mas sem cabidela para o epicurismo gargantuesco das grandes
comezainas e comilanças. A cozinha já não é l'art
de maîtriser le feu e a lentidão deixou de ser uma virtude culinária. Lipovetsky
diria que esta luminária cumplicia na redução da alimentação à forma-moda. Bom proveito.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Prof.
Já aqui
escrevemos bastamente sobre Stephen Ball e a sujeição dos professores aos terrores da performatividade (relatórios
atrás de relatórios, actas atrás de actas, justificações atrás de
justificações, avaliações atrás de avaliações, evidências atrás
de evidências). A designada avaliação do desempenho é um destes terrores da performatividade que, usando
as palavras do filósofo e crítico literário António Guerreiro, em artigo
publicado no Expresso-Atual de 11-08-2012, longe de ser uma prática
metodológica/epistemológica sofisticada relevando de uma ciência, é um mecanismo puramente gestionário ao serviço de uma ideologia e de
um aparelho burocrático e administrativo.
Leiamos o
seguinte texto do professor João Ruivo que, malgrado verberar a pretensão
obscena do Ministério de querer transformar professores comuns em professores
avaliadores (os primeiros, treinados na avaliação dos conhecimentos discentes,
os segundos, obrigados a avaliar desempenhos docentes, pelo que confundir a
tarefa dos dois é confundir a Estrada da Beira com a beira da estrada), parece
querer definir as condições de possibilidade da avaliação dos professores e ter
implícita a ideia da redução do desempenho docente a índices rigorosamente mensuráveis:
Para avaliar professores requerem-se
características pessoais e profissionais especiais, para além de uma formação
especializada e de centenas de horas de treino, dedicadas à observação de
classes e ao registo e interpretação dos incidentes críticos aí prognosticados.
Cuidado com as ratoeiras! Quem foi preparado para avaliar alunos não está,
apenas pelo exercício dessa função, automaticamente preparado para avaliar os
seus colegas…
(…) É necessário que domine com rigor
as técnicas de registo e de observação de aulas, conheça as metodologias de
treino de competências, os procedimentos de planeamento curricular, e as
estratégias de promoção da reflexão crítica sobre o trabalho efectuado.
O artigo
refere as técnicas de registo e de observação de aulas, as metodologias de treino de competências, os procedimentos de planeamento
curricular, como se esta utensilagem, apesar da sua vagueza assim expressa no ideolecto sisudo
das Ciências da Educação, fosse interna a um saber já validado e isento de
ideologia. Na verdade, não é. Segundo António Guerreiro no artigo supracitado,
referindo-se à rigorosíssima avaliação das fundações feita pelo governo, os avaliadores
medindo, calculando, numerando e
comparando, imaginam-se a fazer um trabalho científico. Tão
científico que nenhuma décima escapa à medição apuradíssima. Na verdade,
não estão. E conclui António Guerreiro:
Os avaliadores são uma seita e a sua mística
é a ordem quantitativa pela qual tudo acede a um estado estatístico e entra num
ranking. Mas como sabem que o seu trabalho não é interno a um saber, eles
precisam que os avaliados (que, por sua vez, são os avaliadores dos outros)
lhes outorguem legitimidade, que a creditação seja ao mesmo tempo coerciva e
consentida. Esse consentimento tácito é obtido através da autoavaliação que os
avaliados são convidados a fazer e que lembre o ritual da autocrítica que era
imposto nos regimes comunistas. Pela autoavaliação, o sujeito avaliado confessa
os seus pecados, incrimina-se a si próprio, denuncia as suas inclinações menos
produtivas. Tudo isso para responder às eternas injunções da burocracia e
também para assumir uma cumplicidade estratégica com os avaliadores em posição
de mestres.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Prof.
Grupos inteiros
de questões sobrelevadas. Caligrafia ininteligível. Disgrafias e disortografias
várias. Um arremedo de sintaxe. Vinte testes, dezoito negativas. Só que aqui
não opera o hegeliano poder e trabalho do negativo. Todas estas negativas, apesar do seu potencial narrativo sobre o que se estudou e não estudou, o que não se
leu e não foi dado a ler, o que não se viu e não foi dado a ver, o que não se ouviu
e não foi dado a ouvir, são o sobejo da provação da privação. Mesmo dela sobeja
sempre alguma coisa. De modo que notícias como esta, para além de nos revelarem
a provação da privação, são o sinal instante do impoder da escola.
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