quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Internacional Citacionismo/Dois em um: Slavoj Žižek e Saramago para julgar banqueiros…

"Talvez José Saramago estivesse certo quando propôs tratar os responsáveis dos grandes bancos e todos os outros responsáveis pelo colapso como culpados de crimes contra a humanidade, cujo lugar é o Tribunal de Haia; talvez não se devesse tratar esta sua proposta como um mero exagero poético ao estilo de Jonathan Swift, mas levá-la a sério. Isto, no entanto, nunca acontecerá, uma vez que, depois da doutrina do banco demasiado grande para falir (sendo a lógica por trás disto que a sua bancarrota teria consequências catastróficas para toda a economia), temos agora a doutrina do banco demasiado grande para ser indiciado (uma vez que, pode dizer-se, o seu indiciamento teria consequências catastróficas para o estado financeiro e moral das elites governantes)."


Slavoj Žižek, Problemas no Paraíso.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Para a duquesa de Sanseverina do Cartuxa de Parma, “ser ministro é uma desgraça quando se é jovem”. Agrava-se a condição quando se é um optimista ministro das finanças, gostamos de presdigitações numéricas e não conhecemos o optimista do Ambrose Bierce

Para a duquesa de Sanseverina do Cartuxa de Parma, “ser ministro é uma desgraça quando se é jovem”. Agrava-se a condição quando se é um optimista ministro das finanças, gostamos de presdigitações numéricas e não conhecemos o optimista de Ambrose Bierce, “o proponente da doutrina segundo a qual o preto é branco”.      

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Prof./Olho por cima dos óculos em mirada rasante e só vejo olhares extáticos, como o dos santinhos das pagelas, mesmericamente fixados em pontos de fuga. Volto a olhar e fico com a estranha sensação de que este trecho de Nietzsche nunca foi tão empaticamente entendido. Não é exegese nem hermenêutica. É segunda-feira. Oito e quarenta. Dia outoniço.

O homem activo, diz Nietzsche, rola como pedra, conforme a estupidez da mecânica. Ora aí está uma citação incitadora, que proponho ao rapazio como pároco à paróquia na reflexão dominical. E continuo: Todos os homens se dividem, em todos os tempos e hoje também, em escravos e livres; pois aquele que não tem dois terços do dia para si é escravo, não importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou erudito. Olho por cima dos óculos em mirada rasante e só vejo olhares extáticos, como os dos santinhos das pagelas, mesmericamente fixados em pontos de fuga. Volto a olhar e fico com a estranha sensação de que este trecho de Nietzsche nunca foi tão empaticamente entendido. Não é exegese nem hermenêutica. É segunda-feira. Oito e quarenta. Dia outoniço.

domingo, 27 de setembro de 2015

Longe dos eferreás, urras, urros e evoés, fica Coimbra B.



Enquanto no Algarve se inumam e embebedam caloiros como perus em véspera de Natal, na branda Coimbrinha A, até hoje, a mando dos veterasnos, só os ouvi gritar impropérios às mães que os pariram. Mas atenção, relembro, longe dos eferreás, urras, urros e evoés, fica Coimbra B.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Prof./Três com distúrbios de atenção por hiperactividade, dois com défices verbais acentuados na fluência verbal e conhecimento linguístico, dois com Q.I. abaixo da média, dois com défices graves na capacidade de cálculo e raciocínio, três com pais e mães desempregados. Para eles, ao contrário do que acontece ao poeta F. Echevarría, a distracção não é um santo país do conhecimento.

E volvidos dois anos em que fui, talvez, professor, a história repete-se.

A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante
Arquíloco

Três com distúrbios de atenção por hiperactividade, dois com défices verbais acentuados na fluência verbal e conhecimento linguístico, dois com Q.I. abaixo da média, dois com défices graves na capacidade de cálculo e raciocínio, três com pais e mães desempregados. Para eles, ao contrário do que acontece ao poeta F. Echevarría, a distracção não é um santo país do conhecimento. Não sabem muitas coisas, como os bons alunos, mas à semelhança do ouriço de Arquíloco sabem uma coisa muito importante: não querem estar ali. A coisa mais difícil para o professor é dar aos alunos o que eles querem, porque os alunos não sabem o que querem - sabem o que não querem. Uma aula preparada como uma batalha em campo aberto, um derby, uma liturgia: a minudente ocupação dos tempos e dos espaços. O tacticismo pedagógico do estagiário zelota.
Por fim, deixo de saber muitas coisas, como sabe a raposa de Arquíloco, mas fico ciente de uma coisa muito importante: ainda não há nome para aquilo que faço.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

"Teríamos um ex-primeiro ministro preso se o PS fosse governo?". Esta é a pergunta pisamansinho do programa Prós e Contras desta segunda-feira. Ora, Ricardo Araújo Pereira revelou no programa Governo Sombra do dia 5 de Setembro que, caso o actual primeiro-ministro não tivesse declinado o convite para o seu novo programa, faria a Passos Coelho a seguinte pergunta: "O homem que desempenhou o cargo antes de si foi preso. Podemos ter esperança que lhe aconteça a mesma coisa?"

"Teríamos um ex-primeiro ministro preso se o PS fosse governo?". Esta é a pergunta pisamansinho do programa Prós e Contras desta segunda-feira.  Ora, Ricardo Araújo Pereira revelou no programa Governo Sombra do dia 5 de Setembro que, caso o actual primeiro-ministro não tivesse declinado o convite para o seu novo programa, faria a  Passos Coelho a seguinte pergunta: "O homem que desempenhou o cargo antes de si foi preso. Podemos ter esperança que lhe aconteça a mesma coisa?" 
Pesaroso - sei que esta questão não terá resposta -, aproveito o mote  do Ricardo Araújo Pereira para enviar por emissário especial as seguintes questões, que serão apresentadas  in situTeremos um ex-primeiro ministro preso se o PS for governo? O ex-primeiro ministro está preso. Podemos ter a esperança que aconteça o mesmo ao próximo?

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Claudio Magris, germanista devoto e crítico, escreveu no Danúbio que interrogarmo-nos sobre a Europa significa, hoje, interrogarmo-nos sobre a nossa própria relação com a Alemanha. A crise grega e a crise dos refugiados só tornaram mais instante esta interrogação.

Consabidamente atento à cultura alemã, António Guerreiro cita aqui o poeta e ensaísta Hans Magnus Enzensberger e o filósofo Peter Sloterterdijk para relembrar que, a par do tropo do sangue e solo, há também uma retórica universalista e a ideia cosmopolítica de uma humanidade supranacional presente na cultura alemã. Justa interpretação ou erro de perspectiva, a verdade é que a Alemanha reganhou tal centralidade político-cultural (tê-la-á perdido algures?) que todos os vindouros caminhos e destinos da Europa e do Mundo por lá passarão.
Claudio Magris, germanista devoto e crítico, escreveu no Danúbio que interrogarmo-nos sobre a Europa significa, hoje, interrogarmo-nos sobre a nossa própria relação com a Alemanha. A crise grega e a crise dos refugiados só tornaram mais instante esta interrogação.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Dicionário do Mofino 58/Sondagem, s.f. Etimologicamente, a acção de perscrutar a intenção de voto do eleitor com o recurso a uma sonda munida de câmara incorporada e que, ingurgitada através da cavidade bucal, permite vê-la inteira e nítida.

Sondagem, s.f. Etimologicamente, a acção de perscrutar a intenção de voto do eleitor com o recurso a uma sonda munida de câmara incorporada e que, ingurgitada através da cavidade bucal, permite vê-la inteira e nítida. Depois de observada pelo olho pressago do arúspice, a fotografia da víscera ou miuçalha é publicada e o seu legítimo detentor passa a saber em quem vai votar.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

A Festa do Avante é uma singularidade cósmico- sociológica, diz-se, e é aí mesmo que Jesus pode descer à terra e ver dezenas de jovens comunistas a reclamarem selfies do Professor Marcelo. Por aqui, estou como Tertuliano: creio porque é absurdo.


Quando se fala sobre a constelação política portuguesa, não raro se sublinha a bizarria eleitoral e sociológica de o Partido Comunista valer dois dígitos. Numa economia tardo-capitalista - dizem algumas luminárias que invocam logo de mansinho o seu atavismo seguidista - esta bizarria não é menos ininteligível do que a dogmática da Santíssima Trindade ou, sopram outros nada versados em Teologia, o lançamento da candidatura de um presuntivo candidato do centro-direita na festa do Avante. A Festa do Avante é uma singularidade cósmico- sociológica, diz-se, e é aí mesmo que Jesus pode descer à terra e ver dezenas de jovens comunistas a reclamarem selfies do Professor Marcelo. Por aqui, estou como Tertuliano: creio porque é absurdo.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Refugiados: vida e morte das imagens

O texto do Carlos no The Cat Scats sobre a tragédia dos refugiados relembrou-me um texto pretérito de Eduardo Cintra Torres sobre a comoção gerada pelo terramoto do Haiti. Escreveu Eduardo Cintra Torres que a compaixão do mundo pelo povo do Haiti seria, em boa medida, uma obra da televisão, argumentando que «sem imagens, testemunho e relatos, não haveria proximidade da catástrofe e a consequente mobilização maciça da caridade e da solidariedade». A «banalização das emoções e das imagens de sofrimento» seria, di-lo concluindo, «o preço a pagar por isso».
Sublinhe-se que de ambos os textos releva aquilo que Régis Debray (Vie et Mort de L`Image) designou como as antinomias do audiovisual, nas quais «cada tese tem a sua antítese e nenhuma pode refutar a outra, de modo que o iconófobo e o iconódulo estão condenados a viver juntos, por vezes no mesmo indivíduo» (a televisão serve a democracia/a televisão perverte a democracia; a televisão é uma memória formidável/a televisão é um funesto passador; a televisão é um operador de verdade/ a televisão é uma fábrica de ilusões; a televisão suscita a compaixão/ a televisão banaliza as emoções e as imagens de sofrimento).
Ou isto ou a hipótese perturbadora de Saul Bellow: «a profusão panóptica» de imagens, reportagens, exteriores, que passa frequentemente por informação, não seria senão «um disfarce de diversão Kitsch».

domingo, 6 de setembro de 2015

Há lá coisa mais excitante do que o lugar-comum, dizia Baudelaire. Há lá coisa mais excitante do que um candidato a deputado que, inábil em dar corpo ao manifesto, dá o corpo ao manifesto; há lá lugar-comum menos excitante do que uma candidata, perguntada sobre o porquê de tal decisão, dizer tê-la tomado na plenitude da mulher e da candidata, que são uma só.

Há lá coisa mais excitante do que o lugar-comum, dizia Baudelaire. Há lá coisa mais excitante do que um candidato a deputado que, inábil em dar corpo ao manifesto, dá o corpo ao manifesto; há lá lugar-comum menos excitante do que uma candidata, perguntada sobre o porquê de tal decisão, dizer tê-la tomado na plenitude da mulher e da candidata, que são uma só.
Voltamos a Sloterdijk que, a propósito da crise da credibilidade política, e num capítulo epigrafado com uma citação de Juvenal -difficile est satyram non scribere (é difícil não escrever uma sátira) - rememora no livro Mobilização Infinita uma singular tradição política romana: sempre que um cidadão se apresentava como candidato a um cargo público, desfilava pela cidade usando uma toga imaculadamente branca, asseverando assim aos seus concidadãos a condição de «candidus», cândido, isto é, candidatum. O que queriam os candidatos dar a saber? Segundo Sloterdijk, os Candidati desejavam dar a saber que estavam dispostos a perder a sua inocência; eram «as noivas» do princípio da realidade, do sistema de poder, cujo potencial de desfloração é lendário desde o tempo dos Romanos.
Ora, dando o corpo ao manifesto, o que pretende a candidata dar a saber? Que não há manifesto? Que é o seu corpo promitente o manifesto?
Há lá lugar com mais lugares-comuns do que a esfera pública da política! Não há. Mas é sempre imponderável, glosando um mote do Alberto Pimenta, transportá-los, ostensivos, como andores.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Era assim que, há 80 anos, o bufarinheiro Oliveira da Figueira barganhava no Mar Vermelho, logrando vender a Tintin uma braçada de inutilidades. O actual Oliveira da Figueira, useiro e vezeiro frequentador de feiras e bazares, tem dias. Já vendeu um lote de empresas a preços sem concorrência e, naturalmente, os chineses fizeram um negócio da China.

Paulo Portas compara-se a personagem portuguesa de Tintim que vendia tudo
31 Agosto 2015, 19:59 por Lusa

"Muito gosto em conhecê-lo, senhor. E apresento-me sem mais cerimónias: posso fornecer-lhe, a preços sem concorrência, qualquer artigo de que necessite".

Os Charutos do Faraó, Hergé


Era assim que, há 80 anos, o bufarinheiro Oliveira da Figueira barganhava no Mar Vermelho, logrando vender a Tintin uma braçada de inutilidades. O actual Oliveira da Figueira, useiro e vezeiro frequentador de feiras e bazares, tem dias. Já vendeu um lote de empresas a preços sem concorrência e, naturalmente, os chineses fizeram um negócio da China. Mas o Novo Banco parece mais difícil de impingir. Acabei de compulsar um manual de técnica de vendas e, perante a rejeição do produto pelo cliente, atrevo-me a alvitrar: "trabalhe a objecção", Oliveira, "trabalhe a objecção"!